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México: André Manuel López Obrador dá largada na campanha para eleições

Favorito nas pesquisas, na terceira tentativa de conquistar a presidência, o esquerdista se preocupa em tranquilizar eleitores e investidores sobre o futuro

Jorge Vasconcelos
postado em 09/04/2018 06:00
O candidato festejado por correligionários, em um dos primeiros comícios da campanha: revisão de contratos e política econômica moderada
Na terceira campanha presidencial como favorito, o político de esquerda Andrés Manuel López Obrador, 64 anos, adotou um tom mais moderado para conquistar a presidência do México, nas eleições de 1; de julho. O ex-prefeito da Cidade do México, também conhecido como AMLO, tem pedido a eleitores e investidores que confiem em suas propostas e ;não tenham medo; de eventuais rupturas políticas e econômicas. Na atual disputa, o candidato da coalizão Juntos Faremos História tem se beneficiado mais dos erros dos adversários que dos próprios acertos, em meio a um cenário de descrédito nos partidos tradicionais e nos governos que não conseguiram solucionar antigas mazelas do país. Estagnação econômica, corrupção, desigualdades sociais e altos índices de criminalidade estão entre os principais temas da campanha.

;Senhores investidores, nossa proposta visa a alcançar uma mudança ordenada e pacífica, para melhorar as condições de vida e de trabalho de nossos cidadãos e tornar possível o renascimento do México;, disse o candidato em um artigo, na semana passada. ;Tenham confiança: não somos rebeldes sem causa e temos palavra, sabemos cumprir os nossos compromissos. Não se deixem assustar;, acrescentou.

Obrador lidera as pesquisas de intenção de voto com mais de 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, Ricardo Anaya, da coalizão de centro-esquerda Pelo México à Frente. Em terceiro está José Antonio Meade, ex-ministro das Finanças, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o mesmo do atual presidente, Enrique Peña Nieto.

Petróleo

O esquerdista chegou a preocupar os mercados com seu programa de governo, que prevê uma revisão dos contratos petroleiros assinados após a abertura econômica do setor energético, em 2014. Outra proposta é a suspensão da construção de um novo aeroporto para a capital federal, projeto que demandará 250 bilhões de pesos (US$ 13,7 bilhões).

Segundo Obrador, os contratos petroleiros e de obras públicas serão revisados ;um a um, para evitar casos de corrupção;, conforme os procedimentos legais e ;protegendo quem adquiriu títulos;, bem como os trabalhadores cujos fundos de aposentadoria foram investidos em tais títulos.

Ao mesmo tempo, ele insiste que a assinatura do novo Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta) ; objeto de negociação entre México, Estados Unidos e Canadá ; ocorra após as eleições de 1; de julho, ao passo que autoridades mexicanas pretendem firmar o pacto ainda em abril. Obrador explicou que sua proposta econômica é similar à aplicada no período conhecido como ;desenvolvimento estabilizador;, de 1950 a 1970, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu quase 7% ao ano, em média, impulsionado por políticas protecionistas e pela intervenção estatal na economia.

O candidato encabeça uma coalizão que reúne o Partido do Trabalho (PT), o Partido Encontro Social (PES) e a sua própria legenda, o Movimento de Regeneração Nacional (Morena). Uma eventual vitória de Obrador marcaria o fim de uma hegemonia de 36 anos de governos de centro-direita, iniciada em 1982, com a eleição de Miguel de la Madrid, do Partido Revolucionário Institucional (PRI).

Contramão
Segundo o sociólogo mexicano Adrián Acosta Silva, professor e pesquisador da Universidade de Guadalajara, o México segue tradicionalmente na contramão das tendências políticas da América Latina. No momento em que o continente assiste ao avanço de governos de centro-direita, explica Acosta, o país caminha para eleger um político de esquerda. ;Somos uma sociedade que parece ir contra as tendências atuais da América Latina;, diz Adrián Acosta ao Correio.

;É necessário lembrar que, dos anos 1960 até os anos 1980, quando a maioria dos países da região vivenciava regimes ditatoriais, que mais tarde se tornariam democráticos, no México fortaleceu-se um regime semidemocrático ou semiautoritário ; depende do ponto de vista ;, mas não ditatorial ou democrático;, lembra o docente.

Ele também frisa que, no início do século 21, quando o pêndulo político latino-americano se deslocou em direção ao populismo de esquerda, houve no México um processo de democratização marcado pela influência de forças de direita e do ideário neoliberal. ;Se essa característica se mantiver, com um eventual triunfo de AMLO, o México será confirmado como um caso de ;exceção política; das tendências latino-americanas;, analisa o sociólogo.


Quatro perguntas para ADRIÁN ACOSTA SILVA,
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE GUADALAJARA


A delicada relação com os Estados Unidos vai dominar o debate eleitoral?
Para o conjunto político latino-americano e seus vários ;universos; nacionais, o fator Trump é a grande novidade da política internacional desde o fim de 2016, mas para o México, em particular, é, ao mesmo tempo, uma novidade e um desconhecido, uma fonte permanente de incerteza e um desafio político. Até o momento, tanto nas pré-campanhas como no início formal do processo, as ações, os enunciados e as ocorrências do ;trumpismo; (e o que ele representa como expressão sociopolítica) marcaram a agenda política das relações entre México e Estados Unidos. Na minha opinião, essa questão ocupa e continuará a ocupar um lugar importante nas campanhas presidenciais, dadas as implicações econômicas, políticas e sociais das profundas relações historicamente construídas entre os dois países.

O que explica o favoritismo de López Obrador?
Existem elementos a considerar na tentativa de compreender o ;AMLO fenômeno;: o clima de ceticismo social e político, o deficit de desempenho da democracia mexicana e o perfil e a trajetória do projeto político que ele tem pacientemente construído nos últimos 18 anos. O primeiro desses fatores pode ser caracterizado como um clima político dominado pelo ceticismo e pela desconfiança, vigorosamente alimentados pela corrupção, pela persistência da desigualdade social e pelo desempenho decepcionante da economia. Esse clima também é alimentado pelo descrédito dos partidos tradicionais (PAN, PRI, PRD) e de todo o sistema partidário construído ao longo das últimas duas décadas.

Quais os outros fatores?
Há também a percepção da ineficácia que a alternância política e o retorno do PRI (2012-2018) ao poder irradiavam entre os cidadãos. Esse fator tem a ver com uma espécie de sobrecarga, para a jovem democracia mexicana, de demandas econômicas e reivindicações sociais que não puderam ser abordadas ou conduzidas e resolvidas satisfatoriamente por governos democraticamente eleitos. Em outras palavras, as tensões entre legitimidade política e efetividade institucional retornam ao centro explicativo do mal-estar de muitos setores sociais em relação à capacidade democrática de resolver os problemas de desigualdade, equidade e prosperidade que a sociedade exige.

O candidato Obrador também promete reviver um passado de expressivo crescimento econômico, que se deu entre 1950 e 1970...
Ele é um político profissional, carismático, que, ao longo de três eleições (2006, 2012 e 2018), personaliza um projeto que visa à reconstrução de um passado idealizado e de uma forma nostálgica, mas combinados com uma proposta concebida para um futuro brilhante, habitada por promessas de crescimento econômico, honestidade e prosperidade, o que leva à imagem de um país diferente, onde a corrupção é a causa de todo o mal, e aspira a uma sociedade coesa, harmoniosa e feliz.

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