Mundo

Militantes LGBT no Oriente Médio rompem silêncio na busca por igualdade

Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social

Rodrigo Craveiro
postado em 30/04/2018 06:00
Ativistas da causa LGBT protestam em Beirute, no Líbano, em 2013: no país, são rotineiras as batidas policiais em boates frequentadas por gays

O iraquiano Musa Al-Shadeedi, 26 anos, é um sobrevivente. Em 2012, escapou de uma campanha de assassinatos promovida por milícias religiosas contra homens cujas práticas sexuais e performances de gênero não eram consideradas ;normativas;. Homossexual assumido, o morador de Bagdá tentou se engajar no ativismo e se viu forçado a abandonar o país. Em Beirute, o libanês Elie Ballan, 32, levou tempo para aceitar quem ele era. Aos 16 anos, tinha sobrepeso e era visto como ;extravagante;. Hoje, precisa esconder os sentimentos em público. O jordaniano Khalid Abdel-Hadi, 28, enfrentou bullying na internet, foi alvo de retórica do ódio e sofreu tentativas de desacreditarem sua cultura e sua religião.

Integrar a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) em países do Oriente Médio e do Norte da África é estar sujeito ao preconceito, à possibilidade de prisão e ao risco de ser executado. Em algumas nações, a homossexualidade é associada à devassidão e considerada transgressão às leis (veja arte). Para desafiar o estigma social e a repressão, 18 ativistas e artistas de 10 países ; incluindo Musa, Elie e Khalid ; emprestaram rostos e vozes a vídeos, a fim de incentivar os homossexuais a se defenderem. O projeto No Longer Alone (;Sozinho nunca mais;) é uma iniciativa da Human Rights Watch (HRW) e da Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE).

;Quase todas as nações do Oriente Médio e do Norte da África criminalizam a atividade homossexual consensual, e algumas usam leis vagas, que proíbem a ;depravação; e a ;indecência;. Em várias delas, detenções são comuns. O Egito provavelmente é o pior infrator em termos de perseguição policial ativa contra LGBTs;, afirmou ao Correio Neela Ghoshal, pesquisadora sobre direitos dos LGBTs da HRW. Segundo ela, Omã, Emirados Árabes Unidos e Kuwait prendem transexuais por expressarem sua identidade de gênero. ;A AFE, nossa parceira no projeto No Longer Alone, construiu uma rede de organizações LGBTs e de indivíduos em países da região comprometidos com a mudança social. Esses ativistas se apoiam uns nos outros e partilham informações sobre a campanha em suas nações.;

;Doentes;

Ghoshal explica que jovens homossexuais de países árabes e islâmicos se sentem isolados. Muitos nem sequer sabem que existem pessoas como elas. ;Nos vídeos que filmamos, os ativistas permitem que os LGBTs entendam que não estão sozinhos, nem são ;doentes;, e que têm direitos humanos, como todos os seres humanos. As mensagens buscam empoderar essas pessoas e conectá-las a comunidades capazes de apoiá-las;, disse. A expectativa, de acordo com a pesquisadora da HRW, é que moradores da região, principalmente heterossexuais ignorantes em relação aos temas LGBT, assistam aos vídeos e experimentem algum grau de empatia, ao reconhecer que esses indivíduos são merecedores de respeito e de dignidade.

Diretor de comunicações e de advocacia da HRW para o Oriente Médio e o Norte da África, Ahmed Benchemsi, sublinha que algumas leis explicitamente proíbem relações íntimas entre pessoas de mesmo sexo, enquanto outras se referem à homossexualidade como ;antinatural;. As restrições à liberdade de associação tornam impossível o registro legal de organizações envolvidas em temas de orientação sexual e identidade de gênero. ;O estigma social severo força muitas pessoas a esconderem suas identidades, tornando o ativismo ainda mais difícil. Agora, esses indivíduos estão contando suas histórias, construindo alianças e redes transfronteiriças, desenvolvendo movimentos nacionais e regionais, e encontrando meios criativos de combater a discriminação.;

Conservadorismo

Elie Ballan, diretor da ONG M-Coalition no Oriente Médio e no Norte da África, conta que a região testemunha crescente conservadorismo. ;A política está entrelaçada à religião, e o status social é medido pelo conservadorismo religioso. A isso se acrescenta um sistema patriarcal obcecado com a masculinidade, onde ter pênis é poder, e o conceito de honra está ligado à virgindade da mulher. Assumir o papel da mulher ; ser passivo no sexo ; é vergonhoso e traz desonra;, disse à reportagem. Por sua vez, Khalid Abdel-Hadi, fundador e diretor criativo da revista My.Kali, em Amã, critica a mídia regional por não humanizar nem personalizar as histórias dos LGBTs. ;A mídia reporta ;histórias escandalosas;, além de publicar reportagens negativas, que se refletem horrivelmente sobre a comunidade LGBT;, lamenta. Ele crê que tais percepções podem mudar por meio da visibilidade e da educação. ;É isso que a nossa campanha faz: humaniza e oferece visibilidade.;


Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da  Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social
Silêncio rompido
Apesar da repressão patrocinada pelos governos, do estigma social e da opressão religiosa, membros da comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (LGBT) no Oriente Médio e no Norte da África decidiram quebrar o silêncio. Por meio de vídeos filmados em árabe pela Human Rights Watch (HRW) e pela Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE), eles contaram suas histórias e ofereceram mensagens de apoio e de coragem a homossexuais que vivem na região.

Eu acho...


Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da  Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social
;Muitas das leis contra a conduta homossexual na região são um legado colonial. O Reino Unido introduziu tais leis em suas colônias no Golfo Pérsico, e a França introduziu leis de sodomia no Norte da África e no Líbano. Outras leis são mais criações modernas e, em alguns casos, derivam das interpretações seletivas de governos da sharia (lei islâmica). Em todas as partes do mundo, a religião tem sido usada para justificar a negação dos direitos baseados no gênero, na orientação sexual ou na identidade de gênero. Ativista da Fundação pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE) e LGBTs no Oriente Médio e no Norte da África buscam mudar as atitudes, ao confrontar a sociedade com sua própria humanidade.
Em muitos casos, usam a arte e as mídias sociais para expressar suas mensagens e envolver a opinião pública.;

Neela Ghoshal,
pesquisadora sobre direitos dos LGBT da Human Rights Watch (HRW)


Depoimentos

Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da  Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social
;Eu assumi e as coisas mudaram;
;Enquanto eu crescia, não havia acesso fácil a temas ligados à homossexualidade, incluindo em filmes ou em séries de televisão. Tudo era muito vago, e não sei como me informei sobre isso. Acho que foi por meio de programa de TV ou de alguém pronunciando as palavras ;gay; ou ;homossexual;. Fiz uma busca na internet e me conectei com a definição da palavra. Também me recordo de ficar encolhido de vergonha na aula de religião, quando o professor ; que era bonitinho ; contava a história de Ló (personagem bíblico que tinha relações com homens). Eu me senti horrível e tentava justificar que era uma boa pessoa. Comentei com uma amiga, que não entendia o significado da palavra ;gay;, mas me viu tremendo e me abraçou. Assumi e as coisas mudaram.;

Khalid Abdel-Hadi, 28 anos,
fundador e diretor da revista My.Kali. Mora em Amã (Jordânia)

Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da  Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social
;Começaram a matar LGBTs;
;Quando era criança, a homossexualidade não parecia algo que eu teria de descobrir. Ela estava dentro de mim. Era uma atração sexual por garotos. Eu me sentia normal em relação a isso. Quando tinha 11 ou 12 anos, era normal beijar um dos colegas na frente de todos. Não ouvia comentários negativos; a sociedade não me tratava como um ser estranho ou bizarro. Eu costumava beijar meninos durante o recreio. Gostei de muitos garotos, em Bagdá. As dificuldades começaram depois da invasão americana, em 2003. Grupos muito religiosos e extremistas passaram a ameaçar as minorias. Eles começaram a matar quem não se adqueava ao seu padrão de comportamento, e isso incluía pessoas da comunidade LGBT.;

Musa Al-Shadeedi, 26 anos,
estudante de psicologia. Mora em Bagdá (Iraque)


Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da  Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social
;Pensei que eu fosse caso raro;
;Eu nunca tive problema em saber que era gay. A dificuldade era em saber do que eu era chamado e se havia gente como eu no mundo. Quando era muito jovem, costumava pensar que eu sentia algo por meninos e meninas. Tentei me aproximar de garotas no acampamento de verão, mas sem sucesso. Quando eu tinha 15 anos, um colega me disse a palavra ;gay;, e eu não tinha ideia do que significava. Pesquisei na enciclopédia, que me levou ao termo ;homossexual;. Devo ter lido o parágrafo umas cem vezes. Ao descobrir o que ocorria comigo, pensei que fosse caso raro. Na internet, comecei a falar com caras como eu. Vi que não estava sozinho e que posso sentir atração por homens e não ficar mal por isso.;

Elie Ballan,
32 anos, diretor da M-Coalition no Oriente Médio. Mora em Beirute (Líbano)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação