Agência France-Presse
postado em 14/06/2018 16:55
A Nicarágua amanheceu nesta quinta-feira, 14/6, em greve geral convocada por uma aliança opositora para pressionar o Daniel Ortega a cessar a repressão contra as manifestações populares que se intensificou nas últimas semanas e já deixou 157 mortos em quase dois meses de protestos.
[SAIBAMAIS]Em Manágua, a paralisação parecia geral, com ruas desertas, alguns ônibus de transporte público circulando vazios e a presença policial em vários pontos da cidade, observou a AFP.
A paralisação de 24 horas foi convocada pela opositora Aliança Nacional pela Justiça e Democracia, que agrupa empresários, estudantes e setores da sociedade civil, como forma de pressionar o governo para interromper os ataques violentos contra manifestantes e a população, realizados por forças antichoque e "turbas" pró-governo.
A Nicarágua vive um clima permanente de protestos, que deixou suas principais vias e cidades semiparalisadas, desde os protestos de rua iniciados em 18 de abril contra uma fracassada reforma previdenciária.
Contudo, os protestos se estenderam como mostra de insatisfação com o governo de Ortega, que desde 2007 governa com sua esposa Rosario Murillo como vice-presidente e braço direito, acusado de autoritarismo e de controlar os poderes do Estado.
Supermercados, lojas, postos de gasolina e pequenas vendas em Manágua também não abriram suas portas, enquanto nos colégios públicos os professores ficaram esperando os alunos.
"Está tudo deserto, a população está apoiando a greve", disse o taxista Pablo Ramírez, que desistiu de trabalhar por falta de passageiros.
O mercado popular oriental de Manágua, com mais de 20 mil negócios e 2 mil vendedores ambulantes, que começam a trabalhar ainda de madrugada, estava abandonado, cercado por barricadas para tentar proteger eventuais roubos e saques.
"O mercado está apoiando a paralisação, a esta hora muitas lojas estariam abertas, mas como se vê está totalmente fechado", disse à AFP Liliam Gámez, funcionária de loja turca que foi trabalhar a pedido de seu patrão.
"A paralisação é para pressionar o governo a se sentar e dialogar para dar uma solução a essa crise", disse à AFP Heriberto Ruiz, vendedor de doces do mercado.
"Que Ortega saia pela porta da frente, e não pela dos fundos", afirmou Ruiz, que acredita que a Nicarágua se tornou uma "terra de ninguém" com a violência e os roubos.
Tiroteios e mortes
A paralisação foi precedida por novos ataques na capital e na Universidade Autônoma da Nicarágua (Unan), uma trincheira dos estudantes que protestam contra o governo, de acordo com a oposição.
Também houve confrontos nas cidades de Jinotepe, Diriamba, León, Nagarote e Masatepe.
Nesta última, no estado de Masaya, ataques de grupos paramilitares "deixaram quatro mortos e diversos feridos", disse à AFP o secretário-geral da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH), Alvaro Leiva.
Já em Masaya, três motos com paramilitares armados entraram na cidade e "dispararam sobre as trincheiras", deixando um baleado, indicou.
A polícia deste antigo bastião oficialista continua sitiada com barricadas defendidas por jovens com pedras e morteiros caseiros.
Golpe econômico
A paralisação ameaça agravar a crise gerada por protestos e bloqueios.
"A economia produz 35 milhões de dólares diários, pode ser que nem tudo se paralise porque há atividades que não podem ser interrompidas", explicou Mario Arana, diretor da Associação de Produtores e Exportadores da Nicarágua (Apen). Assim, ele estima que o país deixe de produzir entre 25 e 35 milhões de dólares em um dia de paralisação.
O setor privado, outrora aliado de Ortega, rompeu a aliança em meio aos violentos protestos.
Desde o início da onda de protestos, em 18 de abril, o balanço de vítimas é de 157 mortos e mais de 1.300 feridos, segundo o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh).
Até a Igreja católica, mediadora no diálogo entre o governo e a oposição, acolheu a convocação de paralisação.
Com a crise sociopolítica, estimativas não oficiais esperam uma queda de 1% do PIB, que, em termos de valor, chega a 800 milhões de dólares.
A Conferência Espiscopal da Nicarágua (CEN) convocou nesta sexta-feira, 15/6, uma sessão de mesa plenária do diálogo para revelar a resposta de Ortega a sua proposta de democratização.