Jorge Vasconcelos
postado em 17/06/2018 07:00
Os colombianos voltam às urnas hoje, no segundo turno das eleições presidenciais, para escolher o encarregado de encaminhar a solução de questões extremamente sensíveis em uma disputa sem precedentes entre direita e esquerda. Estão em jogo desafios como a reincidência do tráfico de drogas, a estagnação econômica, a crise na vizinha Venezuela e, sobretudo, a implementação do acordo de paz firmado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), transformadas em partido político após a deposição das armas. O direitista, Iván Duque, da coligação Centro Democrático, aparece nas pesquisas com 15 pontos percentuais à frente do esquerdista Gustavo Petro, da frente Colômbia Humana, ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro do Movimento 19 de abril (M-19).
A vitória de Duque estenderá por mais quatro anos a permanência da direita no Palácio de Nariño, sede do governo colombiano, iniciada em 2002, com a eleição de Álvaro Uribe. ;Chegou o momento da mudança!”, é o lema do candidato de 41 anos, que por 12 trabalhou como economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na política, embora acumule apenas quatro anos como senador, ele conta com um apoio de peso: o do controverso e popular ex-presidente Uribe, hoje senador.
Duque construiu a vantagem nas pesquisas, em grande parte, com críticas ao acordo de paz assinado em 2016 entre o presidente Juan Manuel Santos e o líder das Farc (guerrilha comunista), Rodrigo Lodoño, conhecido como Timochenko. O acordo entrou em vigor, apesar de rejeitado por 50,2% da população em referendo. ;Haverá modificações que permitam uma paz concreta, sustentável e calcada na Justiça;, afirma o candidato.
No momento em que a implementação do pacto começa a tramitar no Congresso, Duque defende alterações para que ex-guerrilheiros que tenham cometido crimes hediondos cumpram pena de prisão e sejam inabilitados para a atuação parlamentar. Pelos termos do acordo, todos os envolvidos em delitos graves durante o conflito ; não apenas os ex-combatentes ; ficarão livres do cárcere desde que reconheçam os próprios atos e promovam a reparação das vítimas e de suas famílias. O processo foi chamado de Justiça de Transição.
;Essa proposta de Iván Duque significaria mudar a essência do processo de paz, que se caracterizava pela desmobilização da estrutura armada da guerrilha mais antiga do continente em troca do processamento de suas demandas por via democrática, pela participação na vida política;, disse ao Correio Fabián Alejandro Acuña Villarraga, professor de ciência política da Pontifícia Universidade Javeriana.
Concluída a entrega das armas, o grupo rebelde se transformou no partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum, mantendo a sigla Farc. Nas eleições legislativas de março, a legenda, alvo de grande rejeição popular, obteve 0,5% dos votos e ficou apenas com os 10 assentos no Congresso garantidos pelo acordo de paz. Uma eventual vitória de Duque traria incertezas sobre o destino de cerca de 7 mil ex-combatentes que concordaram em se integrar à vida civil.
Reformas
O ex-guerrilheiro Gustavo Petro, por sua vez, conseguiu o que parecia impensável: que a esquerda chegasse a uma eleição com chances de governar um país de 49 milhões de habitantes ; pouco mais de 36 milhões de eleitores ; e tradicional aliado dos Estados Unidos. Aos 58 anos, é ferrenho defensor do acordo com as Farc e adota um discurso em favor dos pobres e do uso de energias limpas. ;Acabar com uma guerra implica reformas em áreas como posse da terra, educação, saúde, aparato judicial e regime político;, assinala.
Crescido no Caribe colombiano, aos 17 anos Petro ingressou no M-19, que surgiu como um grupo armado de esquerda nacionalista. Na época, jovens esquerdistas da classe média urbana que questionavam o marxismo pegaram em armas depois de denunciar a fraude eleitoral de 1970, que beneficiou o Partido Conservador. Passados 20 anos, um acordo de paz foi assinado. Petro depôs os fuzis e ajudou a redigir a Constituição de princípios liberais em vigor desde 1991.
Caminhos opostos
Ingrid Betancourt era candidata à Presidência quando foi sequestrada pelas Farc, em 23 de fevereiro de 2002, dias depois de rompido o processo de paz entre a guerrilha e o governo de Andrés Pastrana. Viajava por uma área de influência rebelde com a assessora Clara Rojas. Libertadas após seis anos ; Clara como parte de um acordo, Ingrid em uma operação militar ;, as duas tomaram caminhos políticos opostos. A ex-candidata vem de declarar apoio, no segundo turno da disputa presidencial, ao esquerdista Gustavo Petro, partidário da implantação integral do acordo de paz assinado pelas Farc com o atual mandatário, Juan Manuel Santos. Clara, que durante o cativeiro teve um filho com um guerrilheiro e só reencontrou o menino após seis anos, alinhou-se com o direitista Ivan Duque, defensor de mudanças no texto firmado para garantir que ex-guerrilheiros autores de crimes contra a humanidade sejam presos.
Três perguntas para - Fabián Alejandro Acuña Villarrraga, professor da Faculdade de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Javeriana da Colômbia
O candidato Iván Duque propõe alterar o acordo de paz para que ex-guerrilheiros das Farc sejam presos e excluídos da política. Qual a sua opinião sobre isso?
Essa proposta significaria mudar a essência do processo de paz. O acordo sobre a Justiça de Transição foi proposto para incluir não apenas os guerrilheiros desmobilizados, mas também agentes estatais e terceiros (industriais, empresários, proprietários de terras) que participaram direta ou indiretamente do conflito, financiando ou se coordenando com atores armados. A questão dos terceiros foi um ponto muito importante (e inovador nesse tipo de processo), mas o processo de implementação da Justiça Especial para a Paz (Justiça de Transição) no Congresso excluiu categoricamente os terceiros. Com isso, o acordo começou a ser distorcido.
A ex-senadora Ingrid Betancourt, ex-refém das Farc, declarou apoio a Gustavo Petro, que defende o acordo de paz. Qual a mensagem por trás desse apoio?
Assim como Ingrid Betancourt está acompanhando Petro, sua companheira de cativeiro Clara Rojas está com Duque. Ingrid indica que está com Petro, porque ele afirma a intenção de implementar o acordo de paz. Rojas diz que apoia Duque, porque acredita que ele não pretende esmagar o acordo, mas reformular questões pendentes. Alguns apoiadores de Duque consideram Ingrid ingrata com a política do ex-presidente Álvaro Uribe, que levou à sua libertação. Ela diz reconhecer que graças à política de Uribe as Farc se viram obrigadas a negociar, mas sustenta que continuar reproduzindo uma mensagem de ódio e vingança não é saudável.
Duque defende a guerra às drogas, Petro propõe incentivar o debate internacional sobre o ;fracasso; dessa política. Na sua opinião, qual a melhor proposta para o país?
Na minha opinião, a de Petro. Por muito tempo, tivemos a ideia de que a Colômbia só era um país produtor, mas todos os indicadores nacionais e internacionais mostram que a taxa de consumo no país tem aumentado. A proposta de Duque para os consumidores é de tratamento criminal, enquanto a de Petro é vista em termos de saúde pública. É claro que a luta contra as drogas e a criminalização da produção são aplicadas por países do primeiro mundo (principais consumidores) contra os países produtores (no caso, Colômbia). Mas eles, de maneira nenhuma, desincentivam internamente o consumo, nem muito menos o criminalizam. Os mortos, os prejuízos econômicos, sociais e ambientais continuam a ser assumidos pelos países produtores, e com cada vez menos apoio econômico dos países consumidores, especialmente os EUA e a União Eueopeia.