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"Estou com muita saudade", diz brasileira de 8 anos separada da mãe nos EUA

Ouça conversa por telefone entre mãe e filha brasileiras separadas há três semanas por estar ilegalmente nos EUA. Desde então, elas só se falaram duas vezes

Rodrigo Craveiro
postado em 19/06/2018 14:33
Imigrantes ilegais aguardam presos em centro de triagem no Texas
"Estou com muita saudade", diz a menina ao telefone, entre soluços, para o desespero da mãe, a mineira Paula (nome fictício), que não aguenta e chora também. O diálogo é o retrato da política antimigração do governo de Donald Trump, que tem sofrido duras críticas, inclusive da ONU, por, ente outras medidas, permitir a separação das crianças e dos pais detidos por entrar no país ilegalmente.

Entre 5 de maio e 9 de junho, 2.342 crianças e adolescentes foram separados das famílias. Foi o que aconteceu com Paula e a filha, de 8 anos, presas três semanas atrás porque estavam ilegalmente nos Estados Unidos. Elas cruzaram a fronteira do México em 1; de maio e, depois, se apresentaram voluntariamente às autoridades de migração. A mãe foi detida e ficou presa no Texas por cinco dias, enquanto a criança foi enviada a um abrigo em Chicago, no estado de Illinois, onde permanecia até esta terça-feira (19/6), quando Paula falou com o Correio.

Desde então, a brasileira só conseguiu falar com a filha por duas vezes ao telefone. O Correio teve acesso a parte da última conversa, que aconteceu no domingo (17/6). A criança chora ao telefone, pede que a mãe entre em contato com uma assistente social para que sua liberação ocorra, conta como é sua vida no abrigo e diz que sente muitas saudades. Ouça:

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Segundo disseram a Paula, ela precisa, agora, por meio de documentos e entrevistas com assistentes sociais, comprovar que é apta a cuidar da filha. "É a coisa mais absurda. Criei ela por oito anos e, agora, tenho de provar se posso cuidar dela", diz. "Até lá, não tenho autorização para viajar a Chicago e ver minha filha", desespera-se.

A brasileira acredita que não será deportada, ao menos não imediatamente. Segundo ouviu de autoridades americanas, quando provar que pode cuidar da filha e elas estiverem juntas novamente, será aberto um processo migratório, que deve durar alguns meses. Assim, tem esperanças de morar na América. "Está nas mãos do Senhor."

"Desumano e cruel"

Apesar das duras críticas que vem recebendo de sua política migratória, Donald Trump se mantém firme. Na segunda-feira (18/6), depois de se indispor com aliados na Europa, ao anunciar medidas protecionistas, o presidente americano atacou a política migratória do continente para justificar a decisão de separar crianças dos pais que tentam entrar ilegalmente nos EUA.

Trump: "Os Estados Unidos não serão um campo de migrantes e não serão um complexo para manter refugiados. (;) Se você olhar o que está acontecendo na Europa (;), nós não permitiremos que isso ocorra aos EUA", declarou. "Eles (os migrantes) poderiam ser assassinos, ladrões e outras coisas. Nós queremos um país seguro, e isso começa pelas fronteiras. E assim será", acrescentou o magnata, que culpou os democratas por "serem fracos em relação à segurança fronteiriça e aos crimes". "Mudem as leis", escreveu no Twitter.[
A "tolerância zero" em relação à imigração foi condenada pela ONU e até por alguns membros do Partido Republicano, de Trump. "O presidente deveria pôr fim imediato a essa política de separação familiar", alertou o senador republicano Ben Sasse, do Nebraska. "Eu discordo dessa política; devemos continuar a proteger a privacidade das crianças, muitas delas experimentaram traumas. Mantenhamos as famílias unidas e as câmeras longe desses garotos", afirmou o senador governista James Lankford.

[SAIBAMAIS]Também republicano, o governador de Massachusetts, Charlie Baker, desistiu de enviar reforços da Guarda Nacional à fronteira com o México e denunciou o tratamento "desumano e cruel" dispensado às crianças e parentes. "Hora de pôr fim à trágica e cruel separação de famílias", cobrou a senadora Lisa Murkowski.

Lair W. Bergad, diretor do Centro para Estudos de América Latina e Caribe da Universidade da Cidade de Nova York, no entanto, afirma ao Correio que poucas vozes republicanas têm levantado a voz contra "políticas racistas e anti-imigrantes". "A maioria do partido está aterrorizada com a possibilidade de perder apoio do eleitorado. O senador John McCain, infelizmente, está morrendo. Lindsey Graham às vezes apoia Trump, às vezes não", lamentou.

Segundo Bergad, "Trump adota uma retórica vulgar para apelar aos que votaram nele, em sua maioria, racistas e sem educação". "Trump não se importa com governar os EUA. Ele só apela aos elementos racistas e brancos da sociedade. É motivo de dor para a maioria dos americanos."


"Alto padrão"

A secretária de Segurança Interna, Kirsten Nielsen, negou que a separação das crianças represente ;abuso infantil;. De acordo com ela, as instalações de detenção têm ;altos padrões;. ;Nós damos a elas refeições, educação e cuidados médicos. Há vídeos, há televisões. Eu mesma visitei os centros.;
Nielsen descartou um pedido de desculpas por parte do governo e defendeu a abordagem da imigração. ;Não se confundam: nossa fronteira (sul) está em crise. Ela é explorada por criminosos e milhares de pessoas que não têm respeito por nossas leis;, disse. ;Não podemos deter os menores com os pais. Devemos liberar os pais e as crianças ou separá-los para processar os adultos.; Em rara crítica ao governo dos EUA, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu o fim da prática. ;As crianças não podem ser traumatizadas sendo separadas dos pais. É preciso preservar a unidade familiar;, disse o porta-voz, Stephane Dujarric.

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