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No poder há 15 anos, presidente da Turquia tenta mais um mandato

O conservador islâmico Recep Tayyip Erdogan, que governa o país há 15 anos, busca nas urnas um novo mandato com autoridade reforçada por uma reforma que ele próprio delineou, mas corre o risco de ver seu partido em minoria no parlamento

Jorge Vasconcelos
postado em 24/06/2018 08:00
Recep Tayyip ErdoganNo poder desde 2003, quando assumiu o cargo de primeiro-ministro, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, enfrenta hoje nas urnas o desafio de conquistar mais um mandato ; com autoridade reforçada por uma reforma constitucional ; e manter a maioria parlamentar do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islamita). Erdogan lidera as pesquisas, mas as projeções sugerem que dificilmente conquistará mais de 50% dos votos, para liquidar a disputa em primeiro turno. O social-democrata Muharrem Ince, do Partido Republicano do Povo (CHP), conta com uma inesperada aliança de oposição que se formou para apoiar sua candidatura em um eventual segundo turno, previsto para 8 de julho.

Seis candidatos lutam por uma presidência cujos poderes foram ampliados por uma reforma constitucional escrita sob medida para as ambições autoritárias de Erdogan, e aprovada por um placar apertado em referendo realizado no ano passado. Passadas as eleições, a Turquia abolirá o sistema parlamentarista de governo para concentrar os poderes nas mãos do chefe de Estado. O cargo de primeiro-ministro será extinto.

A campanha eleitoral se desenrolou com o país sob estado de emergência, imposto logo após a fracassada tentativa de golpe de Estado de 2016. Desde então, 55 mil pessoas foram presas ; incluindo líderes de partidos de oposição ; e mais de 140 mil funcionários públicos foram exonerados por decreto. As autoridades também fecharam o cerco à imprensa, com o encerramento das atividades de 149 veículos e a prisão de 269 jornalistas.

Os turcos vão às urnas em meio à tensão provocada pelo anúncio, na sexta-feira, da prisão de 14 supostos membros do grupo extremista Estado Islâmico (EI), todos estrangeiros, acusados de planejar um atentado durante a votação. O ataque mais recente atribuído ao EI no país foi o massacre cometido por um uzbeque em uma discoteca de Istambul, que deixou 39 mortos, na noite de 31 de dezembro de 2016.


Antecipação

As eleições presidenciais e legislativas estavam inicialmente marcadas para 3 de novembro de 2019, mas foram antecipadas por Erdogan, em decisão anunciada em abril deste ano. Os partidos de oposição, diante do pouco tempo para organizar a campanha, decidiram formar uma aliança que acabou se tornando uma importante ameaça aos planos do presidente conservador.

;É o que na ciência política se costuma chamar de ;consequências não intencionais;;, disse ao Correio Kai Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP) e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint). ;Ao mudar o calendário eleitoral, Erdogan pretendia usufruir antecipadamente dos amplos poderes conferidos pela reforma constitucional, mas essa manobra se reverteu a seu desfavor, unindo os partidos de oposição.;

Entre todos os possíveis cenários pós-eleições, Lehmann considera que o mais ;preocupante; é uma eventual combinação entre a reeleição de Erdogan e a conquista da maioria parlamentar pela oposição. ;Nesse caso, certamente, Erdogan lançará mão dos poderes ampliados para isolar o parlamento, o que seria mais um duro golpe contra a democracia turca;, afirmou o professor. Lehman acredita em vitória do conservador no segundo turno, apesar dos números que colocam o país às portas de uma crise econômica. Na sua opinião, além do forte apelo do discurso ;nacionalista-muçulmano; do governante, nada garante a lisura do pleito.

;Não podemos dizer que essas sejam eleições limpas ou justas. A Turquia acaba de barrar a entrada de um grupo de observadores eleitorais alemães;, explicou o docente. ;Além disso, o governo controla com rigor 90% dos veículos de comunicação, o que prejudica a campanha dos outros candidatos;, observou.

As eleições turcas são acompanhadas com atenção pelo Ocidente, já que o país é importante estrategicamente para os aliados da Otan, principalmente diante da ameaça geopolítica representada pelo presidente russo, Vladimir Putin, e dos conflitos no Oriente Médio. Erdogan preocupa por cada vez mais virar as costas para a democracia e flertar com governos hostis ao Ocidente, como os do Irã e da Rússia ; ambos alinhados com o regime de Bashar al-Assad na guerra civil da Síria.

Duas perguntas para


Stephen Zunes, professor da Universidade de San Francisco

Como a Turquia sairá das eleições?
Desde que declarou a vitória em um referendo, no ano passado, o presidente Recep Tayyip Erdogan consolidou seu governo autoritário. A nova emenda constitucional aboliu o sistema parlamentar e deu ao Executivo autoridade quase ilimitada. Essa emenda foi submetida aos eleitores em meio ao estado de emergência imposto após a tentativa de golpe de 2016. Essa próxima eleição iria manter Erdogan por mais cinco anos, com popularidade ajudada por uma economia forte e crescente, nos últimos anos, embora tenha se enfraquecido consideravelmente nos últimos meses.

Que reflexos a eventual reeleição de Erdogan poderá ter na relação da Turquia com o Ocidente?
O crescente autoritarismo não deve impactar as políticas ocidentais em relação ao país, onde os interesses estratégicos e econômicos têm prioridade sobre a defesa da liberdade política. Apesar da corrupção, da repressão e da crescente desigualdade, muitos turcos apoiam o presidente. Como Trump nos EUA, Erdogan conseguiu convencer milhões de turcos pobres e da classe trabalhadora com apelos ao nacionalismo e a valores religiosos tradicionais, com o medo do terrorismo e com ataques às elites urbanas seculares e liberais.

Seis na disputa

Recep Tayyip Erdogan
O atual presidente, nascido em 26 de fevereiro de 1954, em Istambul, tenta um novo mandato à frente do país que dirige desde 2003, inicialmente como primeiro-ministro. Pai de quatro filhos, começou a carreira política como prefeito de Istambul, em 1994. Em 2001, fundou o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, conservador islâmico), uma verdadeira máquina de ganhar eleições que domina a cena política turca desde o pleito de 2002.

Muharrem Ince
Nascido em 4 de maio de 1964 em Yalova (noroeste), esse ex-professor de física tornou-se a surpresa da campanha eleitoral, graças à tenacidade e ao estilo combativo. É o candidato do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata), cuja liderança tentou alcançar duas vezes, sem sucesso. Adepto dos discursos veementes, Ince, que tem um filho, mostrou-se um rival de peso, capaz de incomodar o presidente Erdogan.

Meral Aksener
A primeira política de oposição a anunciar a candidatura nasceu em 18 de julho de 1956, em Izmit (noroeste), e é mãe de um filho. Em outubro passado, fundou o Bom Partido (direita nacionalista), depois de muitos anos no ultranacionalista MHP, que se aliou a Erdogan. Foi ministra do Interior em 1996 e 1997, no período mais duro de repressão à minoria étnica curda, que representa 20% da população e se concentra no sudeste do país.

Selahattin Demirtas
O candidato do Selahattin Demirtas, Partido Democrático dos Povos (HDP, pró-curdo), disputa a presidência embora esteja preso desde novembro de 2016. Nascido em 10 de abril de 1973, em Diyarbakir (sudeste), ele é advogado e pai de duas filhas. Acusado de dirigir uma organização ;terrorista;, ele se diz vítima de um ;sequestro; político pela oposição feroz que faz a Erdogan. Na eleição presidencial de 2014, teve quase 10% dos votos.

Temel Karamollaoglu
Nascido em 7 de junho de 1941, em Kahramanmaras (sul), o candidato do Partido da Felicidade (SP, islâmico conservador) foi três vezes deputado, principalmente pelo Partido da Prosperidade (Refah). Segundo a biografia disponível no site da atual legenda, foi colaborador próximo de Necmettin Erbakan, o mentor político de Erdogan. Pai de cinco filhos, era prefeito de Sivas em 1993, quando um incêndio provocado por extremistas islâmicos deixou 37 mortos.

Dogu Perinçek
Doutor em direito, o dirigente do Partido Patriótico (Vatan, esquerda) já foi detido várias vezes, uma delas, depois do golpe de Estado militar de 1980. Ficou em evidência quando recorreu ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, com sucesso, para defender seu direito a negar que o massacre dos armênios durante a Primeira Guerra Mundial, na Turquia, tenha sido um genocídio. Nascido em 17 de junho de 1942, em Gaziantep (sul), ele tem quatro filhos.

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