Em meio ao assédio de forças combinadas do governo a várias cidades da Nicarágua, foi retomado nesta segunda-feira (25/6) o diálogo para conter a violência que deixou mais de 200 mortos em dois meses de protestos que exigem a saída do presidente Daniel Ortega do poder.
[SAIBAMAIS]Tiroteios, incêndios e operações de limpeza de barricadas, com homens armados e escavadeiras são reportados nos departamentos (estados) de León e Manágua (norte), inclusive em suas capitais. Moradores reportam feridos, mas grupos humanitários ainda não deram um balanço oficial.
"Há explosões muito fortes. Isso é realmente um erro, a repressão não leva a nada, fazemos um apelo às autoridades para que contenham isso. Não queremos mais mortos", disse por telefone, falando de León, o pároco Víctor Morales.
A comissão da Igreja católica, que media o diálogo, anunciou que foram instaladas mesas de trabalho com delegados do governo e da opositora Associação Cívica pela Justiça e a Democracia - da sociedade civil - para avaliar, como tema primordial, a proposta de antecipar as eleições de 2021 para março de 2019.
"Os bispos da Nicarágua estão esperando que o presidente Ortega nos comunique oficial e formalmente sua aceitação da proposta que lhe fizemos (...), recolhendo o sentimento da maioria dos nicaraguenses, sobre as eleições antecipadas", escreveu no Twitter o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez.
O pedido foi apresentado pela Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) em 7 de junho passado na mesa de diálogo, mas Ortega, cujo terceiro mandato consecutivo termina em janeiro de 2022, pediu tempo para refletir e ainda não se pronuncia a respeito.
Cresce a tensão
A reunião é realizada em um momento de intensificação das incursões violentas de forças policiais, parapoliciais e paramilitares a diferentes cidades para retomar seu controle. Só no fim de semana houve uma dezena de mortos em bairros da capital e de outras cidades.
"Estes grupos que se vestem à paisana e que andam semeando o terror devem ser investigados, processados e retirados imediatamente", reclamou nesta segunda-feira Álvaro Leiva, secretário da Associação Nicaraguense pró-Direitos Humanos (ANPDH).
Os protestos começaram em 18 de abril contra uma reforma da Previdência social, mas após as mortes de jovens nas marchas, se estenderam para exigir Justiça e a renúncia de Ortega, um ex-guerrilheiro de 72 anos a quem acusam de forjar, com sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, uma ditadura.
"Nossa luta é por tudo. Queremos a mudança do governo. Têm que partir porque o povo não os quer", disse à AFP um jovem de 25 anos, com o rosto coberto por um lenço, em uma barricada da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (UNAN), onde se entrincheiram dezenas de estudantes.
Ortega disse estar disposto a trabalhar pela democratização do país, inclusive a separação dos poderes do Estado, atualmente controlados pelo governo, principalmente o Conselho Supremo Eleitoral.
Estas reformas foram conversadas com o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, que vem endurecendo sua posição após ser tachado de fraco com Ortega a princípio.
"Para a Aliança Cívica, os acordos eleitorais entre o governo e a OEA não são mais vigentes. Ortega deve dizer se aceita a antecipação das eleições", disse Carlos Tünnermann, prestigioso acadêmico que participa do diálogo.
Aumenta a pressão
A pressão sobre Ortega aumentou com o informe apresentado na sexta-feira, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ante o Conselho Permanente da OEA, o qual denunciou a "repressão estatal" e contabiliza 212 mortos, mais de 1.300 feridos e 500 detidos em dois meses.
"Esta é uma situação bastante crítica e é preciso que toda a comunidade internacional preste atenção ao que está acontecendo na Nicarágua", disse Paulo Abrao, secretário-executivo da CIDH, em entrevista à CNN.
Durante esta sessão, uma dezena de governos pediram que "cesse a repressão" e Almagro recomendou uma antecipação das eleições para março no mínimo ou no máximo em 14 meses.
O diálogo foi suspenso três vezes, a última há uma semana porque o governo não tinha convidado organismos internacionais para verificar a situação dos direitos humanos.
Embora rejeite as acusações de uso excessivo da força, o governo aceitou convidar os organismos. No domingo, chegaram a Manágua técnicos da CIDH e na terça-feira será a vez de funcionários do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.