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Mulheres sauditas assumem o volante após fim de proibição para dirigir

Embora as mulheres não precisem de permissão masculina para obter uma carteira de motorista, a cultura ainda determina que pais, maridos e irmãos tenham a palavra final

Agência France-Presse
postado em 25/06/2018 17:23
Ativistas dos direitos das mulheres fizeram campanhas desde 1990 para acabar com a proibição
Mulheres sauditas percorreram as movimentadas ruas da capital no último domingo, 24/6, dirigindo para o trabalho, cumprindo tarefas e saboreando uma nova era na qual têm permissão para dirigir e não precisam mais depender dos homens para se locomover.

[SAIBAMAIS]Uma proibição de longa data sobre a condução de veículos por mulheres foi suspensa à meia-noite, inaugurando um momento histórico para as mulheres que estavam à mercê de seus maridos, pais, irmãos e motoristas para o transporte. A proibição havia relegado as mulheres para o banco de trás, restringindo quando elas poderiam encontrar amigos, onde poderiam gastar seu tempo e como poderiam planejar seu dia.

"É lindo. Era um sonho de todas nós, então, agora que se realizou, estou entre a crença e a descrença - entre um sentimento de alegria e espanto", disse Mabkhoutah al-Mari, de 27 anos, ao parar seu carro para pedir um café em um drive-thru, a caminho do trabalho.

Mãe de dois filhos, al-Mari é instrutora de direção para mulheres e já possuía uma carteira de habilitação dos Estados Unidos, onde passou um tempo estudando no Tennessee. Na manhã do domingo, pela primeira vez, ela pode dirigir livremente em sua cidade natal, Riade.

"Agora, graças a Deus, posso planejar meu próprio horário, minhas tarefas e os compromissos das minhas filhas", disse.

Antes de entrar no carro para dirigir na manhã de domingo, seu irmão mais velho a mandou embora com um beijo na testa. Seu apoio, como seu guardião masculino, é fundamental.

Embora as mulheres não precisem de permissão masculina para obter uma carteira de motorista, a cultura ainda determina que pais, maridos e irmãos tenham a palavra final. O guardião masculino de uma mulher deve dar sua aprovação antes que ela possa se casar ou viajar.

Por quase três décadas, homens e mulheres discutiram para que as mulheres tivessem o direito de dirigir, pois essa autorização também seria um símbolo para outras mudanças, necessárias em uma sociedade profundamente conservadora.

Embora nunca tenha existido uma lei contra as mulheres que dirigem na Arábia Saudita, uma proibição foi imposta pela polícia e as licenças deixaram de ser emitidas no país. Na época, os ultraconservadores sauditas alertaram contra as mulheres dirigindo, dizendo que isso levaria ao pecado e exporia as mulheres ao assédio. Antes da proibição de dirigir, a Arábia Saudita aprovou uma lei contra o assédio sexual, com até cinco anos de prisão para casos mais graves.

Em 1990, durante um protesto contra a proibição, as mulheres que dirigiam em Riad perderam seus empregos e foram impedidas de viajar para o exterior, mesmo enquanto as mulheres em outros países muçulmanos mais conservadores dirigiam livremente. Até mesmo seus maridos enfrentaram punição.

Desde que o rei Salman anunciou que as mulheres poderiam dirigir, os clérigos sauditas mudaram de tom. No domingo, o principal conselho de clérigos disse que as mulheres dirigirem é permitido pela religião e do interesse do país.

"Estou sem palavras. Estou tão animada que realmente está acontecendo", disse Hessah al-Ajaji, que dirigiu o Lexus de sua família pela capital, Riad, à meia-noite, quando a proibição chegou ao fim.

Quanto aos motoristas do sexo masculino na estrada, "eles realmente apoiaram, aplaudiram e sorriram", disse ela.

Os defensores mais enfáticos do direito das mulheres de dirigir, no entanto, foram silenciados. Três das mulheres que participaram do protesto de 1990 e várias outras que fizeram campanha anos depois pelo direito de dirigir foram presas no mês passado. Algumas foram temporariamente liberados.

Três das que ainda estão detidas - Aziza al-Yousef, Loujain al-Hathloul e Eman al-Nafjan- são vistas como ícones do movimento pelos direitos das mulheres na Arábia Saudita. O governo as acusou de crimes contra a segurança nacional, inclusive de trabalharem com "entidades estrangeiras" para prejudicar os interesses do país.

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, de 32 anos, é visto como a força por trás das reformas. Com o apoio do Estado, mais sauditas estão abertamente abraçando o movimento.

Enquanto dirigia pelas ruas de Riad, Ammal Farahat, mãe de dois filhos, disse que o direito de dirigir é mais do que apenas uma decisão governamental.

"É como se dissessem que o oceano é feito de pequenas gotas de água e é exatamente assim que me sinto hoje. São os esforços de todos, pequenas gotas de suor", disse Farahat.

No entanto, nem todas as mulheres estão dirigindo na Arábia Saudita, pois a esmagadora maioria não teve a oportunidade de fazer os cursos de direção, que começaram a ser oferecidos pela primeira vez às mulheres há apenas três meses atrás.

O Ministério do Interior diz que há quatro escolas de condução para mulheres no país, com mais duas licenciadas para começar em breve. O ministério se recusou a divulgar quantas mulheres haviam recebido licenças até agora, dizendo que o processo ainda está nos estágios iniciais. Há uma lista de espera de vários meses para o documento.

Algumas mulheres simplesmente preferem esperar e ver como a situação nas ruas acontece e como os pilotos do sexo masculino reagem antes de pularem no banco do motorista. Outras se sentem confortáveis sendo conduzidos por motoristas ou maridos e não veem necessidade de dirigir. É há uma quantidade de mulheres aguardando, ansiosamente, o fim de outro obstáculo: poder dirigir motocicletas.

No Instituto de Aptidões de Motociclistas, o Gerente Geral Wael bin Huraib diz que mais de 80 mulheres se inscreveram para fazer o curso e cinco o completaram desde que ele abriu cursos para o sexo feminino há três meses.

"Todos nós sabemos que a cultura muda com o tempo", disse ele. "Não tem nada a ver com a religião. Todos nós nos ateremos às nossas crenças e isso é algo que não é negociável ... no entanto, o que queremos é ter uma vida normal".

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