Agência France-Presse
postado em 18/07/2018 19:39
"No bairro Memorial Sandino, as ruas eram de terra. No verão, era poeira pura e no inverno um lamaçal, mas nosso governo revolucionário melhorou a situação, e até sinais de trânsito colocou para que vivêssemos melhor", conta Juana Izaguirre.
[SAIBAMAIS]"Sou sandinista por convicção desde criança", o governo fez bons projetos para o povo e "eu vivi isso em pessoa", assegura à AFP, detalhando que aos 47 anos estudou Computação e obteve um diploma de liderança.
Izaguirre, promotora social, retrata um segmento da população da Nicarágua que segue fiel à Frente Sandinista e ao presidente Daniel Ortega, que em 19 de julho de 1979 emergiu como líder de uma insurreição popular que derrubou o então ditador Anastasio Somoza.
Hoje, 39 anos depois, Ortega encadeia um novo ciclo de 11 anos no governo, em meio a uma onda de protestos reprimidos violentamente há três meses por forças do governo, com um balanço de 280 mortos. O que lhe valeu comparações com o regime de Somoza.
O bairro Memorial Sandino, em cuja entrada principal há uma silhueta de metal do chapéu do herói nacionalista Augusto Sandino, fica a sudeste de Manágua e delimitado por duas estradas circulares.
Ortega retornou ao poder em 2007 com uma generosa ajuda venezuelana estimada em 500 milhões de dólares anuais, com os quais impulsionou planos sociais de casas, ruas, redes de energia elétrica, subsídios às passagens de ônibus e inchou a planilha estatal.
Essa ajuda secou com a crise da Venezuela nos últimos anos.
Não dessa maneira
"El comandante", como é chamado por seus apoiadores, "nos ajudou a sair da pobreza, o nosso país estava bem maltratado" pelos governos anteriores ao retorno de Ortega, manifestou Izaguirre, mãe de cinco filhos.
Ortega, ex-guerrilheiro de 72 anos, enfrenta uma profunda crise política que explodiu em 18 de abril por uma falida reforma no sistema previdenciário que, após a morte de manifestantes pela repressão do governo, levou à demanda por sua saída antecipada do poder.
A violenta repressão aos protestos deixou, além dos mortos, quase 2.000 feridos, e as condenações de muitos países que pedem o fim da repressão. Mas Ortega ainda tem 30% de apoio, de acordo com uma pesquisa de maio da empresa Cid Gallup.
Cristina Osejo, de 54 anos, dono de uma bar de coquetéis no porto Salvador Allende de Manágua, uma das joias do turismo construídas pelo governo sandinista, faz parte desse apoio.
"Se o povo colocou o presidente, o povo tem que tirá-lo, mas não dessa maneira, matando todas as pessoas", afirmou, criticando os protestos.
Impacto da crise
A polarização vivida pelo país impactou o sandinismo, que viu a destruição de seus símbolos, como a queima de sua bandeira vermelha e preta em praças públicas, ou a demolição da "árvore da vida", estruturas de metal em forma de árvore que simbolizam o poder da vice-presidente, Rosario Murillo, sua gestora.
Cidades como Masaya, Leon, Estelí, Matagalpa e os bairros orientais de Manágua, outrora redutos da luta contra a ditadura de Somoza, em grande parte se voltaram contra Ortega.
O presidente, que chama os protestos de uma tentativa de golpe, lançou no início de julho uma ofensiva para "libertar as cidades" dos bloqueios, que chegaram a cobrir 70% das estradas do país.
"Estamos avançando na liberação do nosso território (...) estamos assumindo como governo a reconstrução da paz que queriam tirar de nós. É um enorme desafio, e estamos confiantes de que vamos alcançá-lo", disse Murillo.
A ajuda venezuelana e um acordo com o grande capital permitiram a Ortega governar até agora sem tropeços, com programas sociais que lhe deram apoio popular.
Seus oponentes o criticam por corrupção e nepotismo em seu governo, mas para seguidores como Izaguirre, essas são "invenções" da direita. Ela defende sem hesitação o "nosso governo".
Para ela, as acusações de repressão contra manifestantes usando forças combinadas da polícia e de paramilitares encapuzados são uma mentira da oposição porque "os únicos que andam atirando são esses poucos de gangues e ladrões", sustenta.
Não trabalhamos em paz
Pequenas e grandes empresas fecharam suas portas afetadas pela crise e o governo modificou sua projeção de crescimento econômico para este ano de 4,9% para 1%.
Contudo, analistas independentes estimem que, se a crise continuar, a economia irá retrair até 5,4% e mais de 200 mil empregos serão perdidos.
"Estamos orando a Cristo para que tudo se acalme, para mim não é certo (os protestos) porque todos sofremos, não trabalhamos em paz, parei de ganhar em várias feiras", os mercados de rua temporários, reclamou Osejo.
"Essas crianças (estudantes) não conhecem a guerra. Eu vivi a guerra quando Somoza e nossos pais nos colocavam em um buraco porque os aviões estavam bombardeando. Os pobres são os que sofrem", lançou.