Agência France-Presse
postado em 19/07/2018 20:36
Milhares de apoiadores do governo da Nicarágua comemoraram nesta quinta-feira (19/7) em Manágua o 39; aniversário da Revolução Sandinista, na presença do presidente Daniel Ortega, cujo governo reprimiu os protestos que durante os últimos três meses pediram a sua saída do poder e deixam 280 mortos.
[SAIBAMAIS]A multidão se reuniu na La Plaza La Fe, uma esplanada no dique de Manágua, que ficou pintada de vermelho e preto, as cores da bandeira sandinista, diante de um enorme palanque onde Ortega e sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, lideraram a celebração com os convidados do corpo diplomático e os poderes do Estado.
Os simpatizantes sandinistas chegaram com as famílias, incluindo crianças, de diferentes pontos da capital com bandeiras, bonés e tecidos vermelhos e pretos, vestidos com camisetas com a imagem de Ortega ou com slogans que diziam "Puro Amor", em alusão às mensagens de "Paz e amor" lançadas pelo governo em meio à crise dos protestos.
"Não se vá, não. Fique", cantava a multidão, enquanto alguns dançavam músicas que exaltam o líder sandinista, com refrões como "ainda que doa, Daniel fica".
"Viemos para confirmar mais uma vez que o povo apoia Daniel e que a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional) é a única opção que vela pelos interesses do povo", afirmou à AFP Alina Manzanares, de 51 anos.
"O presidente fica porque tem a maioria. A direita está sendo financiada pelos Estados Unidos para tirar a revolução que nos custou tanto, e essa revolução não vai ser derrubada por nada", disse Edith Hernández, de 66 anos.
A comemoração ocorre dois dias depois de o governo tomar o controle da cidade rebelde de Masaya, o último reduto controlado por seus opositores, após um violento confronto de seis horas que deixou ao menos dois mortos, segundo um organismo de direitos humanos.
A recuperação do controle em Masaya animou o governo, apesar do clima de violência vivido pelo país desde 18 de abril, quando começaram as manifestações, que parecia manchar a festa sandinista.
Outros sem comemorar
Em Masaya, cujos moradores se acostumaram a sair em caravana a Manágua pelo 19 de julho, as famílias ficaram em casa, enquanto os paramilitares que ocupam a cidade dançavam ao som da música sandinista.
"O que vamos celebrar hoje? Estamos mal, pobres, tudo caro, não nem gente nas ruas. O que o país passou é horrível", assinalou à AFP Petrona Amador, aposentada de 82 anos de Manágua.
"Antes celebrávamos com muita alegria, mas esse governo está massacrando, assassinando, prendendo muita gente", disse o taxista e militar reformado Gerardo.
Nas últimas semanas, o governo de Ortega endureceu a repressão contra os opositores que bloquearam estradas e controlaram cidades, até desalojar à força os seus adversários.
Para o sociólogo independente Melvin Sotelo, a vitória do governo sobre os manifestantes chegou às custas dos direitos fundamentais da população nicaraguense.
"Fizeram isso afogando o direito das pessoas de se manifestarem em repúdio ao governo. Não permitem exercer o direito dos nicaraguenses de se organizarem, de escolherem livremente as suas autoridades, fechou todos os espaços e as possibilidades políticas" de participação, disse Sotelo à AFP.
O preço da vitória
Sotelo considerou que a vitória contra os bloqueios das ruas chegou a um preço alto para Ortega.
"O presidente, politicamente e moralmente, perdeu muito. Isso é uma guerra de um Estado que deveria proteger as vidas das pessoas contra uma população indefesa. O que criou foi o rechaço na população", sustentou o sociólogo.
Além disso, a Igreja Católica na Nicarágua enfrentou o presidente, com seus hierarcas aparecendo como as principais vozes de crítica e defesa da população ante a repressão das forças do governo, enquanto mediam o diálogo entre o governo e seus adversários.
Esse diálogo não foi à frente, principalmente pela negativa de Ortega de aceitar a proposta dos bispos católicos de adiantar as eleições de 2021 para 2019, a fim de acelerar sua saída do poder.
Líder revolucionário
O atual Daniel Ortega difere da figura que emergiu da Revolução Sandinista de 1979, quando liderou o movimento guerrilheiro que libertou a Nicarágua da dinastia dos Somoza.
Após deixar o poder pela via eleitoral em 1990, Ortega voltou à presidência pelas urnas em 2007 e, desde então, foi reeleito em duas ocasiões, a última em 2016, com sua esposa Murillo como vice-presidente.
Aliado dos empresários, Ortega despertou críticas por tomar pleno controle dos poderes do Estado: o Parlamento, a Justiça e o tribunal eleitoral.
Seus críticos o acusam de conformar, junto com sua esposa, um regime marcado pelo nepotismo e autoritarismo.
Os protestos contra o governo explodiram há três meses em oposição a uma reforma do seguro social, mas a repressão fez com que se propagasse até se tornar um amplo movimento que pede a saída de Ortega do poder.