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América Latina, uma região perigosa para os ambientalistas

Ao menos 207 pessoas morreram no mundo em 2017 por terem combatido projetos de mineração, florestais ou agroindustriais

Agência France-Presse
postado em 24/07/2018 20:41
O Brasil registrou o pior balanço, com 57 mortos, incluindo três massacres em que faleceram 25 pessoas
Ao menos 207 pessoas morreram no mundo em 2017 por terem combatido projetos de mineração, florestais ou agroindustriais, 60% delas na América Latina e especialmente no Brasil, segundo a ONG Global Witness.

[SAIBAMAIS]Este balanço contabilizado em 22 países está sem dúvida abaixo da realidade, segundo o relatório "A que preço?", publicado nesta terça-feira pela ONG britânica. A cifra supera o recorde de 2016, com ao menos 200 mortos.

As vítimas eram líderes locais, responsáveis por proteger a fauna selvagem ou "pessoas comuns" que defendiam suas terras.

O Brasil registrou o pior balanço, com 57 mortos, incluindo três massacres em que faleceram 25 pessoas.

Esse balanço foi questionado pelo governo brasileiro, que acusou a ONG de utilizar "dados equivocados, inflados, frágeis e metodologia duvidosa".

O segundo país com mais assassinatos de ambientalistas é Filipinas (48), seguido por Colômbia (24 mortos) e México (15).

Aumento no México e Peru

Global Witness alerta sobre o aumento acentuado de mortes no México (foram só 3 em 2006), onde o "aumento do crime organizado, a impunidade contínua e o fracasso do governo em proteger" os defensores do meio ambiente levou ao "brutal silenciamento" dos que se opõem, por exemplo, à exploração madeireira ou à mineração.

O Peru também registrou um salto significativo, de 2 para 8 mortos em um ano. Em comparação com sua população, a Nicarágua foi o país mais afetado (4).

Em Honduras, o número de mortos baixou de 14 em 2016 para 5 em 2017, mas "a crescente repressão da sociedade civil restringiu o que as pessoas defensoras podem dizer e fazer" nesse país, segundo o relatório da ONG, cuja atividade iniciou em 2002.

No total, um em cada quatro assassinatos de ambientalistas no mundo (ao menos 46, o dobro que em 2016), estiveram vinculados à indústria agroalimentar. Quarenta foram devido a disputas mineiras (33 em 2016), 26 relacionados com o desmatamento, e um recorde de 23 pessoas, sobretudo guardas florestais africanos, morreram tentando proteger os animais dos caçadores furtivos.

Para a Global Witness, o vínculo entre esta violência e os produtos de consumo habitual é claro: "A agricultura em grande escala, a mineração, a caça furtiva e o corte de árvores produzem artigos para o lar, que utilizamos e consumimos: óleo de palma para o shampoo, soja para a carne, madeira para nossos móveis".

Também houve um aumento da violência contra quem defende suas terras ante uma agricultura "destrutiva", segundo a ONG, que critica os governos "negligentes" e as empresas "irresponsáveis" por anteporem os lucros e a demanda dos consumidores "à vida humana".

O relatório destaca, entre outras, a morte do colombiano Hernán Bedoya, líder afro-descendente do Chocó (noroeste), assassinado por um grupo paramilitar que atirou nele 14 vezes, por ter se oposto à palma, às bananeiras e às fazendas de gado que se expandiam no território de sua comunidade, destruindo a floresta.

Para a escritora canadense Margaret Atwood, autora da popular distopia "O Conto da Aia", estas histórias "são chocantes individualmente. Coletivamente, nos mostram uma epidemia de violência contra os defensores da Terra".

Brasil acusa a ONG de usar "fake news"

A ONG adverte que não ocorrem apenas assassinatos, dando conta de todo um arsenal para calar os oponentes: ameaças de morte, detenções, perseguições, ciberataques, violência sexual e desaparecimentos.

No Brasil, fazendeiros armados com machetes e fuzis feriram 22 índios Gamela, cujas terras queriam, e cortaram as mãos de algumas vítimas, aponta o relatório.

Ninguém compareceu ante a justiça por este crime, "o que reflete uma grande cultura de impunidade e inação por parte do governo brasileiro para apoiar as pessoas defensoras", acrescenta.

A Presidência brasileira acusou a Global Witness de "distorcer os fatos", sem investigar supostas "fake news usadas para atacar o governo" e atribuindo a conflitos agrários o que em muitos casos teriam sido ajustes de contas entre narcotraficantes.

O comunicado da Presidência afirma além disso que o "agronegócio é responsável por grande parte da geração de emprego e renda no país" e que "eventuais crimes são localizados e não se pode generalizar acusações a todos agricultores brasileiros, sem fundamento".

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