Rodrigo Craveiro
postado em 25/07/2018 06:00
A mensagem deixada no perfil do Facebook estampava o momento especial na vida de Raynéia Gabrielle da Costa Lima Rocha, 31 anos: ;Nascida no Brasil, renascida na Nicarágua! Liberdade, luz, paz e amor;. Nos últimos meses, a pernambucana que cursava o quinto e último ano de medicina da Universidade Americana (UAM) socorreu vítimas da repressão exercida pelas forças do governo de Daniel Ortega. Ela se preparava para retornar à terra natal, Vitória de Santo Antão, a 52km de Recife. Por volta das 23h de segunda-feira (2h de ontem em Brasília), Raynéia foi fuzilada, supostamente por paramilitares, quando dirigia seu carro pela região sudoeste de Manágua, a cerca de 3km do câmpus da UAM.
De acordo com o site 100% Noticias, a brasileira foi atingida no tórax e, antes do ataque, o noivo da jovem levantou os braços para sinalizar que ambos não estavam armados. Uma das balas perfurou o fígado da jovem, que sofreu parada cardíaca ao ser atendida no hospital. O governo brasileiro exigiu a punição dos assassinos. Também convocou a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Lorena Martinez, para prestar esclarecimentos, e chamou de volta, para consultas, o representante brasileiro em Manágua, Luís Cláudio Villafañe.
Por sua vez, a Polícia Nacional da Nicarágua atribuiu a responsabilidade a um guarda de vigilância privada (veja foto). Até as 18h30 de ontem, o corpo de Raynéia estava no Instituto Médico Legal de Manágua. Colegas da UAM realizaram, à noite, uma homenagem à brasileira. ;Vigília ;Não ao perdão, não ao esquecimento!’, anunciava um cartaz publicado nas redes sociais. ;Levar velas, flores e cartazes;, pedia o aviso. Pelo Twitter, fotos e ilustrações do rosto da pernambucana eram acompanhados do texto ;Doutora Raynéia Lima. Assassinada pelo regime de Ortega. Presente! Presente! Presente!”.
Natural de Anápolis (GO), o motorista Ridevando Pereira, 57 anos, pai de Raynéia, contou ao Correio que soube da morte da filha por intermédio da ex-mulher. ;Ela vivia na Nicarágua desde 2013. Era uma menina muito boa, estudiosa. Nós conversávamos mais quando Raynéia vinha para Vitória de Santontão. Ninguém do governo brasileiro me procurou.;
A jornalista Karla Costa, 36, trocou Manaus por Manágua, onde viveu de outubro de 2014 a junho deste ano, e se tornou amiga de Rayneia. ;A ;Ray; não tinha posição política, nada contra o governo. Ela não participava das manifestações e dava plantões em hospitais. Tanto que atendeu vários feridos nos protestos durante esses plantões;, afirmou à reportagem. ;Ela saía da casa de uma amiga, que fica a menos de 2km de sua residência. O namorado a acompanhava em carro próprio, atrás. Quando a Ray parou no semáforo, passou um veículo com paramilitares atirando. É assim: eles matam quem está na rua à noite. Terra sem lei e sem controle;, relatou. Segundo Karla, Raynéia se divorciou do marido, em 2016, e decidiu permanecer na Nicarágua para concluir os estudos. ;Para se sustentar, ela fazia fotos para comerciais e vendia brigadeiros e produtos de cosméticos. Era muito esforçada.;
O modelo nicaraguense Andreu Lorio Cuevas, 25, posou para algumas peças publicitárias ao lado de Raynéia ; a última delas em 2016. Na manhã de ontem, depois de ser avisado da morte pela reportagem do Correio, ficou em choque. Minutos depois, admitiu que ;ela foi fuzilada por paramilitares deste governo assassino;. ;Ela era uma pessoa muito boa, inteligente e amava a Nicarágua. Com o sonho de se tornar médica, deixou o Brasil. Sempre amável, era muito sorridente;, acrescentou. De acordo com Cuevas, Raynéia demonstrava um amor genuíno pelos próprios sonhos. ;Essa parte dela me inspirava a buscar os meus sonhos.;
Condenação
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirma que recebeu ;com profunda indignação e condena a trágica morte; de Raynéia. Também sustenta que busca esclarecimentos junto ao governo nicaraguense. ;Neste momento difícil, (o governo brasileiro) estende sua solidariedade e expressa as mais sentidas condolências à família da jovem.; De acordo com o comunicado, o Brasil ;torna a condenar o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança;.;Ao repudiar a perseguição de manifestantes, estudantes e defensores dos direitos humanos, o governo brasileiro volta a instar o governo da Nicarágua a garantir o exercício dos direitos individuais e das liberdades públicas;, acrescenta o texto, segundo o qual o Brasil exorta Manágua a envidar todos os esforços necessários para identificar e punir os responsáveis pelo ato criminoso.