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Desabafo de professor venezuelano sobre sapatos furados viraliza no Twitter

José Ibarra explodiu de indignação ao constatar que o conserto de seus velhos sapatos custava quatro vezes seu salário como professor universitário na Venezuela

Agência France-Presse
postado em 27/07/2018 10:52
Sapatos pretos com a sola furada
Caracas, Venezuela - José Ibarra explodiu de indignação ao constatar que o conserto de seus velhos sapatos custava quatro vezes seu salário como professor universitário na Venezuela. Seu desabafo no Twitter gerou uma onda de solidariedade.

Junto com a mensagem, publicada em 29 de junho, ele postou uma foto dos sapatos pretos com a sola furada, e obteve 10 mil retuítes, 5.400 likes e quase mil comentários.

Apesar de muito gasto, é o melhor par que possui este catedrático da Universidade Central da Venezuela (UCV, pública), a principal do país, com quase três séculos.

"Não sinto vergonha de dizer: com estes sapatos vou à UCV para dar aula. Meu salário de professor universitário não dá para pagar a troca da sola", escreveu o docente, de 41 anos.
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Formado em serviço social, com mestrado e cursando doutorado em saúde pública, ele recebe 5,9 milhões de bolívares (1,7 dólar no mercado negro) que não dão para comprar um quilo de carne por causa de uma hiperinflação que, segundo o FMI, pode chegar este ano a 1.000.000%.

Consertar os sapatos custaria 20 milhões de bolívares, muito além de suas possibilidades, um exemplo das distorções provocadas pela arruinada economia venezuelana.

"Sapatos da dignidade"

Desde que publicou o tuíte, Ibarra recebeu doações de sapatos - novos e usados -, roupas, dinheiro e centenas de mensagens de apoio que o levaram a criar o movimento "Sapatos da Dignidade" para ajudar outros colegas, relatou à AFP.

"O tuíte foi uma explosão de frustração. Pensei que como não tinha muitos seguidores, ninguém o veria, mas já recebi doze pares de sapatos, dos quais doei nove, roupas e dinheiro. Criei o movimento porque continuo recebendo doações", relatou o professor, que ficou com dois pares de sapatos usados e tênis novos. Além disso, ganhou 2.900 seguidores na rede social.

Ibarra pensa em entregar parte do dinheiro recebido "aos professores mais necessitados para que comprem comida". Vários "tem desmaiado porque não comem bem", lamenta.

Alguns de seus colegas de universidades públicas mantêm há quase um mês uma greve por tempo indeterminando, exigindo melhores salários.

O caso de Ibarra repercutiu até mesmo fora da Venezuela, com ofertas de doações de Argentina, Colômbia e Espanha. "Temos uma sapataria na Colômbia, consertamos e fabricamos. Como podemos mandar [doações]?", escreveu uma mulher no Twitter.

Outro internauta pede que ele "não se ofenda", mas que gostaria de mandar-lhe sapatos usados. Ele respondeu com um agradecimento.

Doações para uma pizza

Os sapatos de Ibarra estavam furados de tanto andar por causa da falta de ônibus, cuja frota diminuiu dramaticamente pela falta ou pelo preço elevado das peças de reposição. "Comprar sapatos é impossível. O dinheiro não dá para comprar artigos pessoais, nem mesmo comida", relatou.

Lluvia Habibi, encarregado da loja onde Ibarra tentou consertar seus sapatos, justifica os altos preços pelo aumento constante dos preços dos materiais.

"O que as pessoas conseguem fazer é colar sapatos furados, mas quase ninguém pode pagar uma troca de sola, pois custa 20 ou 30 milhões", disse Habibi à AFP.

Melancólico, o professor diz que se apoia na família para sobreviver. Depois do tuíte, uma amiga mandou-lhe dinheiro do México para que "comesse um sorvete ou uma pizza".

Ibarra diz ter perdido 15 quilos lutando contra a crise, agravada pela falta de liquidez, controle na economia, sanções dos Estados Unidos e a queda da produção petroleira, que aporta 96% da receita.

Em sua casa há uma velha máquina de costura que sua família usa para bordar roupas e colocar remendos. Vários emagreceram e tampouco podem comprar peças novas.

Um estudo das principais universidades venezuelanas, inclusive a UCV, assegura que a pobreza no país escalou para 87% em 2017, o que empurrou centenas de milhares a emigrar nos últimos anos, entre eles muitos professores. Mas Ibarra quer ficar. Ele acredita que a Venezuela tem salvação.

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