Rodrigo Craveiro
postado em 30/07/2018 06:00
Atirar pedras contra soldados israelenses: o ato pode custar até 20 anos de prisão para crianças palestinas. Ayed Abu Eqtaish, diretor da organização não governamental Defence for Children International (DCI) ; Palestine (Jerusalém), contou ao Correio que, anualmente, entre 500 e 700 menores capturados na Cisjordânia são processados por tribunais militares instalados dentro de Israel, depois de serem presos e interrogados. ;Essa é a acusação mais comum. Muitas vezes, as crianças são detidas em postos de controle, nas ruas ou na casa de familiares;, explicou. De acordo com ele, os soldados cercam o local nas primeiras horas da manhã. ;Uma vez identificada, a criança é espancada ou recebe chutes, antes de ter os olhos vendados e ser amordaçada. Depois, eles a jogam na traseira de uma viatura militar, onde sofre abuso físico e psicológico.;
Eqtaish afirma que o pesadelo prossegue após a chegada ao centro de detenção, em território israelense. ;Ela costuma ser colocada numa cela ou levada diretamente a interrogatório, durante o qual sofre espancamentos, chutes e abusos verbais;, disse. Sob a ameaça constante de longo tempo na prisão e de riscos à integridade física dos familiares, as confissões ocorrem geralmente nas duas primeiras horas de depoimento. Não é incomum que as crianças sejam obrigadas a assinar uma confissão em hebraico, idioma que poucos árabes compreendem. ;Atualmente, há cerca de 290 crianças palestinas detidas em prisões israelenses;, afirmou o ativista da DCI.
Eqtaish explica que, no sistema de tribunais militares israelenses, a criança palestina costuma ser mantida em centros de interrogatório e em delegacias, geralmente na Cisjordânia, antes de ser transferida para uma penitenciária operada pelo Serviço de Prisão Israelense (IPS). ;Isso é uma violação do artigo 76 da 4; Convenção de Genebra, o qual diz que ;pessoas sob custódia acusadas de crimes deveriam ser detidas no país ocupado e, se consideradas culpadas, cumprir suas sentenças ali;.;
Diretora do Programa Palestina-Israel do American Friends Service Committee, em Chicago, e cofundadora da campanha No Way to Treat a Child, que busca pôr fim à ocupação israelense, Jennifer Bing disse à reportagem que existe um padrão nas detenções de crianças nas operações militares noturnas, nos abusos físicos cometidos por soldados no trânsito até os centros de detenção e na ausência de advogados ou familiares durante os interrogatórios, em que os menores são forçados a assinar uma confissão. ;A taxa de condenação de crianças palestinas nas Cortes militares chega a 99%. Os centros de detenção costumam ser inacessíveis a membros da família, devido aos postos de controle e à não autorização para viagens. As crianças palestinas não recebem visitas regulares da família, telefonemas ou outras proteções previstas pelo direito internacional;, denuncia.
Segundo Richard Falk, professor de relações internacionais da Universidade de Princeton e relator especial da ONU (entre 2008 e 2014) sobre os direitos humanos nos territórios palestinos, as crianças são frequentemente submetidas a abusos, como torturas, espancamentos e insultos que violam os padrões internacionais dos direitos humanos. ;Elas podem ser condenadas a até 20 anos de prisão por arremessarem pedras contra soldados, apesar de isso raramente causar lesão. Na verdade, as pedras representam uma forma não violenta de resistência coletiva a uma ocupação ilegal;, comentou.
Em meio a críticas externas, Israel estabeleceu algumas orientações em relação ao tempo que uma criança pode permanecer detida até ser acusada. ;As evidências sugerem que a prática segue abusiva. As crianças, rotineiramente, são separadas da família e não têm direito a aconselhamento legal durante o interrogatório;, critica Falk. Apesar de o contato com os pais e outros parentes ser formalmente permitido, imensos obstáculos administrativos dificultam as visitas. As autorizações podem demorar até meses para serem emitidas. E os familiares só têm direito a ver os menores uma vez a cada duas semanas, e por não mais do que 45 minutos.
Dia de celebridade
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Ahed Tamimi, 17 anos, que se tornou ícone da resistência palestina por agredir e repreender dois soldados israelenses que estavam no quintal de sua casa, em Nabi Saleh, retornou ontem ao povoado e foi recebida como heroína, depois de cumprir oito meses de prisão. Na época do incidente, em dezembro passado, ela tinha 16 anos. ;A resistência continua até que a ocupação termine;, declarou diante de uma pequena multidão de simpatizantes e jornalistas. De lá, ela seguiu para Ramallah, onde colocou flores no túmulo do líder histórico da causa palestina, Yasser Arafat, e foi homenageada pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas. ;É um modelo da luta pela liberdade, pela independência e pelo estabelecimento do nosso Estado soberano;, disse Abbas.
Depoimento - "A cela era minúscula"
;Por volta das 6h de 24 de maio de 2018, eu estava no açougue em que trabalho, quando um carro Cady, de cor cinza, parou diante da loja. Um homem alto, vestido como civil, desceu e perguntou sobre como chegar à cidade de Surif. Pouco depois, o carro retornou e a mesma pessoa saiu, acompanhado de outro homem, baixo, calvo e de óculos. Apontaram pistolas para mim e ordenaram que eu entrasse no carro. Eles me vedaram e amarraram minhas mãos. Fui socado e chutado. Tomaram meu celular e um tal de ;capitão Omar; disse que eu tinha feito coisas ruins.
Fui levado ao tribunal militar de Asqalan. No primeiro dia de prisão, fui interrogado por três horas. O inquisidor me acusou de lançar pedras e coquetéis Molotov contra o Exército israelense. Fui detido por 13 dias. A cela era minúscula, fria e cheirava mal. Eu dormia em um colchão imundo.
Durante a detenção em Asqalan, fui interrogado quase todos os dias. Ficava de 10 a 12 horas na sala de interrogatório. No 15; dia, confessei. Eu estava muito cansado. Depois, fui levado à prisão militar de Ofir.;
Mohammad, 17 anos, morador de Beit Ummar, em Hebron (Cisjordânia). Depoimento tomado em 3 de julho.
Pontos de vista
Detenção provisória
;As crianças são liberadas pelos tribunais militares mediante fiança em apenas 10% dos casos. Por outro lado, em 90% dos casos, elas são mantidas em detenção provisória, antes do julgamento. Isso me parece algo contrário aos princípios legais da Justiça juvenil, segundo os quais o encarceramento deve ser o último recurso. Os familiares mais próximos da criança podem participar do julgamento e vê-la, mas são proibidos de conversar com ela. É questionável se o uso dos tribunais militares para julgar civis pode satisfazer as exigências de julgamento independente e imparcial.
Ayed Abu Eqtaish, diretor do Programa de Responsabilidade da organização não governamental Defence for Children International ; Palestine
Em nome da segurança
;O Exército israelense alega que faz isso em nome da segurança. Eu creio que as crianças palestinas são presas para se obter dados de inteligência sobre uma determinada comunidade (identificar líderes durante interrogatórios); para amedrontá-las, na esperança de que não resistirão à autoridade do Exército; para punir coletivamente uma comunidade (particularmente aquelas situadas perto de colônias judaicas); para minar a autoridade dos pais, que são incapazes de proteger suas crianças; e, basicamente, para fazer com que uma família palestina deseje abandonar a própria pátria.;
Jennifer Bing, diretora do Programa Palestina-Israel do American Friends Service Committee e cofundadora da campanha No Way to Treat a Child, que busca pôr fim à ocupação israelense
Punição à resistência
;A prática é consistentemente abusiva. Parece que Israel busca punir a resistência de modo suficientemente cruel para tornar as crianças tão intimidadas e assustadas que permanecerão inativas politicamente. No entanto, tais táticas não têm sido bem-sucedidas. As crianças continuam a resistir à opressão de Israel, e se sentem cada vez mais amarguradas. Organizações não governamentais e instituições internacionais há tempos demonstram preocupação com o tratamento abusivo de crianças palestinas por autoridades militares israelenses, especialmente na Cisjordânia.;
Richard Falk, professor de relações internacionais da Universidade de Princeton e relator especial da ONU sobre os direitos humanos nos territórios palestinos entre 2008 e 2014