Agência France-Presse
postado em 02/08/2018 20:05
Caracas, Venezuela - Após 15 anos de proibição, o governo da Venezuela autorizou, nesta quinta-feira (2/8), a venda de moedas em casas de câmbio para atrair capitais e controlar a hiperinflação, uma medida que, segundo especialistas, terá efeito limitado.
A pedido do presidente Nicolás Maduro, a Assembleia Constituinte revogou uma lei que punia com multas e penas de prisão de até 15 anos operações com moedas realizadas à margem de um rígido controle cambial.
"Os atores econômicos podem se dirigir a casas de câmbio que serão autorizadas pelo Executivo e fazer qualquer operação cambial de forma legal e segura", apontou o vice-presidente de Economia, Tareck El Aissami, ao apresentar o decreto à Constituinte nesta quinta.
Segundo o decreto, o governo socialista, que enfrenta quatro anos de recessão, busca oferecer "as mais amplas garantias para sua melhor participação no modelo de desenvolvimento socioeconômico e produtivo do país". Desde que foi imposto em 2003, o controle cambial deu ao Estado o monopólio da moeda estrangeira e o poder de fixar a taxa, o que gerou um mercado negro com cotações 30 vezes maiores que a estabelecida pelo Estado.
[SAIBAMAIS]Segundo especialistas, isso gerou um terreno fértil para a corrupção, além de maiores pressões inflacionárias, pois a maior parte dos investimentos privados são realizados com dólares desse mercado paralelo.
O FMI projeta para 2018 uma queda do PIB de 18% e inflação de 1.000.000%, uma disparada que forçou o governo a eliminar cinco zeros da moeda local, o bolívar, a partir do próximo dia 20 de agosto.
O objetivo é "devolver à classe trabalhadora seu poder de compra" e quebrar os "marcadores paralelos que buscam desestabilizar nosso sistema financeiro", disse El Aissami. A reforma também visa incentivar o investimento estrangeiro, permitindo que as empresas "repatriem seu capital", disse o ministro nos últimos dias.
Embora nesta semana tenha admitido o "fracasso" de seu modelo de produção, Maduro atribui o alto custo de vida a uma "guerra econômica" da oposição e dos Estados Unidos, que impôs sanções financeiras.
- ;Boa notícia; com reservas -
A medida não especifica como a taxa será fixada nas casas de câmbio ou o que acontecerá com o câmbio oficial, que ficou insignificante diante do baixo fornecimento de moeda estrangeira pelo Estado, o que dá primazia ao mercado negro.
Apesar disso, "esta é uma boa notícia, especialmente se permitir que o que o setor privado vem fazendo, trabalhando com seus dólares, não seja penalizado", afirmou o diretor da consultoria Ecoanalítica, Asdrúbal Oliveros. Sem mais detalhes, El Aissami disse que o novo esquema será alimentado por indivíduos, porque os recursos do Estado serão usados para investimento social.
A Venezuela está experimentando uma queda nas receitas do petróleo - primeiro, devido à queda nos preços da commodity, e depois devido a um colapso da produção de mais de 50% na última década, o que impede que ela se beneficie da recuperação dos preços.
Portanto, o governo, que obtém 96% das receitas do petróleo, reduziu a alocação de dólares ao setor privado e às importações (de 66 bilhões de dólares em 2012 para menos de 10 bilhões neste ano, segundo a Ecoanalítica), gerando uma aguda escassez de produtos básicos.
- Sem bancos? -
A medida que libera as casas de câmbio teria, no entanto, um efeito limitado, já que exclui os bancos. "Se tudo estiver limitado a casas de câmbio, não é tão significativo, se as operações pudessem ser feitas no sistema bancário, a oferta de dólares apareceria, mas parece que não é essa a proposta", disse à AFP o diretor da firma Econométrica, Henkel García.
E, sem uma unificação das taxas, as distorções permanecerão, diz o deputado de oposição José Guerra, ex-diretor do Banco Central.
Após a aprovação do decreto, o Banco Central solicitou para esta sexta-feira um novo leilão de moedas sob o antigo sistema, alimentando os temores de uma dualidade de marcadores.
"Um mercado dual, com uma taxa de câmbio oficial com o dólar barato, e outro paralelo com o dólar caro, em meio a um enorme déficit fiscal financiado pela emissão monetária e sem entradas de capital, estourará a taxa de câmbio paralela", alertou.
Guerra disse que a medida é ilegal porque não foi aprovada pelo Parlamento, majoritariamente de oposição.
A questão cambial é essencial para a sobrevivência do governo, pois é um "mecanismo de distribuição de renda entre os grupos de poder com controle sobre as importações públicas", que representam 75% do total, considera a Ecoanalítica.