Agência France-Presse
postado em 09/08/2018 15:07
Mazar-e Sharif, Afeganistão - Quando sua colheita de trigo secou, Ghulam Abas vendeu seus animais e se uniu aos milhares de fazendeiros que foram para as cidades, fugindo da pior seca sofrida pelo Afeganistão em décadas.
A falta de chuva e neve, que sofreram uma queda de 70% nos últimos meses em comparação com médias anuais, devastou os cultivos de inverno, ameaçando ainda mais o já precário modo de vida local e a subsistência de milhões de agricultores.
Como centenas de famílias no povoado de Sharkint, na habitualmente fértil província de Balkh (norte), Abas, de 45 anos, abandonou suas terras agora estéreis e foi embora para a capital regional, Mazar-i-Sharif, com os 11 membros de sua família e sem esperanças de encontrar um trabalho. "Nunca vi uma seca igual", disse à AFP este homem que foi agricultor por 30 anos. "Nunca tivemos de fugir do povoado, ou vender o gado", lamentou.
Enquanto o céu permanece exasperadoramente azul, e as temperaturas se mantêm elevadas, os agricultores já começam a se preocupar com as colheitas de verão.
A colheita nacional de trigo, que caiu em 2,5 milhões de toneladas, já é uma das mais baixas "pelo menos desde 2011", segundo o sistema de alerta precoce sobre o risco de penúria alimentar criado em 1985 pela USAid, a agência de desenvolvimento dos Estados Unidos.
De acordo com as Nações Unidas, mais de dois milhões de afegãos estão sob a ameaça de "grave insegurança alimentar" e vão precisar de ajuda de emergência nos próximos seis meses.
Cabras e ovelhas morreram aos milhares, devido à seca dos poços e à falta de pastos, relatou o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). "Se as autoridades e a comunidade internacional não abordarem imediatamente o problema, o Afeganistão pode enfrentar uma calamidade que se prolongará no próximo inverno (boreal)", afirmou Toby Lanzer, responsável pelo OCHA no Afeganistão.
Para milhares de camponeses como Abbas, já é tarde demais, porém. "Há três anos, tivemos chuva e neve. Ganhei mais de 300.000 afeganes (quase 4.300 dólares). Mas, este ano, mesmo vendendo minhas cabras e ovelhas, ganhei apenas 100.000 afeganes", lamenta.
Ajuda insuficiente
A ausência de precipitações de Balkh deixou a terra seca e cheia de rachaduras. Mais de 450.000 agricultores e pastores nômades da província preferiram sacrificar seus rebanhos, ou vendê-los, para alimentar suas famílias, explica à AFP o diretor de cultivos da província, Zabiula Zubin.
"Todos os aldeãos se perguntam o que fazer com seus animais e como mantê-los com vida, porque é a única coisa que têm", afirma Hayi Sorab, que ainda conserva 400 cabras e ovelhas no distrito de Dawlat Abad.
A seca se soma a uma situação de insegurança geral, devido aos ataques dos talibãs e do grupo extremista Estado Islâmico, que afeta os civis em um nível sem precedentes há dez anos.
A agricultura é o principal recurso da economia afegã. Emprega cerca de 15 milhões de pessoas nas 20 províncias mais afetadas pela seca, segundo a ONU.
As chances de essas pessoas conseguirem encontrar outro trabalho são praticamente nulas em um país onde o já elevado desemprego se vê agravado pelo retorno de milhares de refugiados do Irã, ou do Paquistão. E, sem ajudas públicas para os camponeses, Ghulam Abas adverte sobre a tentação de se dedicar ao cultivo da papoula de ópio, mais lucrativo e resistente.
O Afeganistão é o primeiro produtor mundial de ópio, apesar dos milhões de dólares investidos na luta contra o tráfico de drogas. "Um governo capaz de pagar apenas seus soldados não pode ajudar sua população nas regiões afastadas", lamenta Abas. "Essas condições acabarão empurrando as pessoas para os cultivos ilegais", alerta.