Agência France-Presse
postado em 17/08/2018 16:37
Nova York, Estados Unidos - Uma exaustiva investigação que revelou que 300 padres católicos abusaram de pelo menos mil menores na Pensilvânia aumenta a pressão nos Estados Unidos para tornar mais rígidas as leis e aplicá-las aos líderes da Igreja que encobriram estes crimes durante décadas.
Dois dias depois da publicação do relatório, o Vaticano reagiu na quinta-feira, manifestando sentir "vergonha e dor", e assegurou que o papa está do lado das vítimas.
"As vítimas devem saber que o papa está do seu lado. Aqueles que sofreram são sua prioridade e a Igreja quer escutá-los para erradicar este trágico horror que destrói a vida dos inocentes", informou o Vaticano.
A investigação, a mais exaustiva já realizada nos Estados Unidos sobre o tema, destaca que o número de menores que sofreram abusos dos sacerdotes católicos "está nos milhares" na Pensilvânia. Mas a maioria dos crimes foi cometida há tanto tempo que prescreveu.
Para evitar novos abusos, o informe recomenda endurecer as leis para obrigar a liderança da Igreja a reportar os crimes, eliminar o limite de tempo máximo para denunciar todos os casos de abuso sexual de menores e prorrogar o prazo para que as vítimas possam exigir indenizações.
Punição para os acobertadores
"Espero que como resultado do informe, a liderança da Igreja católica comece a estudar a sério a forma de responsabilizar os bispos, que não cometiam abusos, mas transferiam os padres abusadores" de uma diocese para outra, disse à AFP Lisa Fullam, professora de Teologia Moral da Universidade de Santa Clara, na Califórnia.
[SAIBAMAIS]Nem do Vaticano, nem dos Estados Unidos, "a Igreja Católica geriu de forma adequada o tema dos bispos que acobertavam os abusos", avaliou.
A chamada "Carta de Dallas", aprovada pelos bispos católicos americanos em 2002, após vir à tona o escândalo de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes em Boston, foi um avanço para tentar disciplinar os abusadores. Mas só se aplica aos sacerdotes, não aos bispos.
A lei deveria "ser aplicada muito claramente" aos casos de encobrimento, avalia Leon Podles, autor do livro "Sacrilege: Sexual Abuse in the Catholic Church" (Sacrilégio: abuso sexual na Igreja católica, em tradução literal).
Durante a investigação para seu livro, descobriu que muitas vezes os padres abusadores da costa leste eram transferidos para paróquias no oeste do país com fiéis hispânicos ou de origem indígena, por exemplo no Texas, no Novo México ou na Califórnia, "porque as crianças não teriam palavras para descrever o que lhes estava ocorrendo".
Mais tempo para as vítimas
Michael Moreland, professor de lei e religião da Universidade de Villanova, instituição católica na Pensilvânia, acredita que "haverá novos esforços em vários estados, inclusive na Pensilvânia, para implementar mudanças no máximo tempo fixado" para denunciar abusos sexuais de menores.
O legislador do estado da Pensilvânia Mark Rozzi, que foi violentado por um sacerdote quando tinha 13 anos, disse à AFP que "a primeira parte era chegar à verdade e a segunda parte é fazer justiça e conseguir uma mudança dramática na lei que fixa um prazo máximo para apresentar acusações após a ofensa".
Rozzi deseja eliminar completamente este prazo para todas as pessoas que sofreram abusos quando eram menores de idade, e mudar a lei para que as vítimas possam apresentar uma ação civil nos dois anos posteriores à entrada em vigor da legislação, sem importar quando o abuso aconteceu.
A Promotoria chilena investiga 158 sacerdotes e laicos da Igreja católica por praticar ou encobrir o abuso sexual de 266 vítimas desde 1960, inclusive 178 meninos, meninas e adolescentes.
Em recente visita ao Chile, o papa Francisco primeiro defendeu publicamente um bispo acusado de encobrir os abusos de um sacerdote amigo. Mas logo voltou atrás e ordenou uma investigação.
Em maio, os bispos chilenos apresentaram em bloco sua renúncia ao papa no Vaticano, que só aceitou a de cinco, quatro deles acusados de acobertamento.
Entre 5.700 e 10.000 sacerdotes católicos foram denunciados por assédio sexual nos Estados Unidos, mas só dois de centenas foram julgados, condenados e sentenciados por seus crimes, segundo a ONG Bishop Accountability.
"Este é um problema de toda a Igreja, nunca foi um problema só de Boston", concluiu Fullam. "Não é um problema local, é nacional, é mundial, e a diferença é quanto cada lugar foi exposto".