Agência Estado
postado em 12/09/2018 14:43
O papa Francisco convocou os presidentes de todas as conferências episcopais do mundo para uma cúpula em fevereiro de 2019. A reunião será realizada para discutir a prevenção do abuso sexual e proteção das crianças na Igreja católica e é uma evidência de que o pontífice percebe o escândalo global e entende que a falta de ação ao lidar com o assunto é uma ameaça ao seu legado.
O principais cardeais conselheiros de Francisco anunciaram sua decisão nesta quarta-feira, 12, um dia antes de o papa se encontrar com líderes da Igreja nos Estados Unidos, que foram desacreditados pelas acusações recentes apontando décadas de abuso sexual e encobrimento dos crimes.
Acredita-se que a reunião de 21 a 24 de fevereiro com os presidentes das mais de 100 conferências episcopais do mundo seja a primeira desse tipo. O evento sinaliza a percepção dos níveis mais altos da Igreja de que o abuso sexual é um problema global e não se restringe ao mundo anglo-saxão, como muitos líderes católicos insistem há tempos.
No início deste ano, Francisco enfrentou a pior crise de seu papado, quando repetidamente desacreditou vítimas de um notório padre abusador chileno. Mais tarde, ele admitiu ter cometido "sérios erros de julgamento" e tomou medidas de reparação, sancionando os bispos culpados e refazendo o episcopado chileno, o qual acusou de alimentar uma "cultura de encobrimento".
Mais recentemente, o papado de Francisco foi sacudido por acusações de um embaixador aposentado do Vaticano, o arcebispo Carlo Maria Vigano, que disse que o pontífice retirou as sanções impostas pelo papa Bento 16 por ter molestado e assediado seminaristas adultos. O Vaticano não respondeu às acusações de Vigano, mas prometeu "esclarecimentos", que provavelmente virão depois da reunião na quinta-feira.
Na terça-feira 11, o Vaticano informou que a reunião nos EUA será dirigida pelo cardeal Daniel DiNardo, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, e também incluirá o principal conselheiro papal acusado de abuso sexual, o cardeal Sean O'Malley. DiNardo disse querer que Francisco autorize uma investigação completa contra o ex-cardeal Theodore McCarrick, removido do cargo em julho depois de ser acusado de ter apalpado um adolescente.
O Vaticano sabe, pelo menos desde 2000, que McCarrick convida seminaristas para sua casa de praia em New Jersey, e também para sua cama. DiNardo acrescentou que as acusações de que as principais autoridades do Vaticano, incluindo o atual papa, de acobertar McCarrick, merecem respostas.
Em 2011, a liderança da Igreja ordenou que cada conferência episcopal do mundo desenvolvesse diretrizes para evitar o abuso de menores e adultos vulneráveis. As diretrizes deveriam especificar como os bispos devem cuidar das vítimas, punir os infratores e manter os pedófilos fora do sacerdócio. Embora a maioria das conferências tenha seguido a ordem, algumas, particularmente na África, não o fizeram, citando falta de recursos ou outros impedimentos.
No entanto, a própria Cidade do Vaticano não tem essa política, embora a Santa Sé tenha prometido às Nações Unidas há cinco anos que estava desenvolvendo um "programa de ambiente seguro" para proteger crianças dentro de seu território.
A conferência episcopal dos EUA emitiu o que é considerada a política de padrão ouro em 2002, exigindo que denúncias de abuso sejam relatadas à polícia e a remoção permanente do ministério de qualquer padre que tenha abusado de um menor. Mas essa política foi questionada recentemente, dado que bispos impunes, como McCarrick, podem ser julgados apenas pelo papa, segundo determinam as regras da Igreja.
A credibilidade da liderança da Igreja americana agora está em frangalhos, tanto pelo escândalo McCarrick como por recentes revelações no relatório produzido por um júri da Pensilvânia, que descobriu que cerca de 300 padres abusaram de mais 1 mil crianças desde 1940 - e uma série de bispos em seis dioceses os encobertaram, incluindo o atual bispo de Washington, cardeal Donald Wuerl.
Wuerl, que foi bispo de Pittsburgh por cerca de 18 anos, ofereceu sua renúncia há quase três anos, quando completou 75 anos, mas o papa Francisco não aceitou. Em uma carta aos padres na terça-feira, ele disse que retornaria a Roma em breve para discutir sua renúncia, ciente de que é hora para uma nova liderança.
Desde que o relatório da Pensilvânia foi publicado no mês passado, promotores em meia dúzia de Estados americanos anunciaram planos para realizar investigações similares. E os EUA não estão sozinhos na escavação do passado.
Na quarta-feira, a mídia alemã divulgou um estudo encomendado pela própria Igreja sobre abusos dentro da instituição alemã.
A pesquisa registrou 3677 casos de abusos entre 1946 e 2014, com mais da metade das vítimas de 13 anos ou menos, a maioria meninos. Um sexto dos casos envolveu estupro e pelo menos 1670 clérigos estavam ligados aos crimes, segundo o Spiegel Online e o Die Zeit, que obtiveram o relatório antes de sua data prevista de divulgação, em 25 de setembro. Fonte: Associated Press