Agência France-Presse
postado em 04/10/2018 17:44
Teerã, Irã - "Discussões sobre as sanções foram retomadas e os medicamentos de que mais necessito não são mais encontrados", lamenta Masud Mir, que sofre de talassemia, uma doença genética muito comum no Irã.
Além de ter que conviver com suas doenças, muitos iranianos sofrem as consequências da volta, em agosto, das sanções americanas, das dificuldades gerais da economia e da espetacular desvalorização do rial, a moeda nacional.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ) se pronunciou nesta quarta-feira em relação a estas sanções unilaterais, vinculadas à questão nuclear iraniana, e ordenou aos Estados Unidos "eliminar qualquer obstáculo [...] à livre exportação para o Irã de remédios, material médico, produtos alimentares e produtos agrícolas".
A petição da CIJ, no entanto, tem poucas possibilidades de ser escutada, já que Estados Unidos não reconhecem a autoridade deste tribunal no assunto.
Com as sanções americanas, ficou mais difícil encontrar em Teerã alguns medicamentos para tratar doenças como a esclerose múltipla ou a diabetes.
O medicamento de que Mir necessita para regular o excesso de ferro em seu organismo é fabricado na Suíça. Agora o governo iraniano o raciona, e no mercado negro é vendido por um preço exorbitante.
As autoridades iranianas reconheceram oficialmente a escassez e puseram fim às subvenções para certos produtos importados.
"Temos déficit de 80 produtos farmacêuticos", indicou Mohamad Naim Aminifard, membro da comissão parlamentar de Saúde, citado pela agência Isna.
No total, 96% dos medicamentos consumidos no Irã são produzidos em nível local, segundo o Sindicato de Indústrias Farmacêuticas Iranianas. Mas o país importa mais da metade dos componentes necessários para sua fabricação.
As sanções bancárias e a queda do rial iraniana em relação ao dólar dificultam, ou até mesmo impossibilitam, pensar em uma autossuficiência.
Racionamento
O eletricista Ali foi demitido da empresa em que trabalhava por ter se ausentado demais para visitar seu filho, hospitalizado com câncer. Seu empregador seguinte faliu e o atual, uma companhia iraniana-holandesa, não pode mais importar equipamentos e parou de pagar seus trabalhadores.
Ali foi a uma farmácia do centro de Teerã em busca de um fungicida para os efeitos colaterais do tratamento contra o câncer de seu filho, mas foi embora com as mãos vazias. "Me disseram que, mesmo que pudessem, não me dariam devido aos racionamentos", explica. Os responsáveis desta farmácia estatal, especializada em doenças raras, não quiseram fazer declarações.
Outras farmácias da capital indicaram que há uma "escassez sensível" de alguns anticoagulantes, betabloqueadores e tratamentos para a pressão arterial. "Se as sanções forem mantidas, a situação piorará", diz um dos farmacêuticos.
Preços exorbitantes
Os Estados Unidos se retiraram em maio do acordo nuclear alcançado em 2015 entre Irã e as grandes potências mundiais (Estados Unidos, Reino Unido, China, Rússia, França e Alemanha) e reimpôs sanções às transações financeiras e às importações de matérias primas, entre outros setores.
"Que eu saiba, não existe nenhuma declaração oficial que condene o comércio de medicamentos com o Irã", indicou à AFP o cirurgião Hamidreza Vafayi, que considera que o principal desafio é a rejeição dos bancos a trabalhar com o país.
Masud Mir lembra com indignação como as empresas farmacêuticas exploraram a situação armazenando produtos e manipulando os preços enquanto foram impostas as sanções internacionais, entre 2010 e 2016.
"Em 2011 não deixavam de dizer que não havia medicamentos no mercado devido às sanções. No entanto, eu podia consegui-las graças a alguém que os revendia na rua a preços exorbitantes", recorda. "Aos que não podem pagar só lhes resta morrer lentamente".