Mundo

Judeus americanos enfrentam antissemitismo que pensavam estar extinto

Em fevereiro, a Liga Anti-Difamação (ADL) publicou um relatório que aponta um aumento de 57% dos incidentes antissemitas em 2017, o maior aumento anual desde a década de 1970

Agência France-Presse
postado em 30/10/2018 15:45
Em fevereiro, a Liga Anti-Difamação (ADL) publicou um relatório que aponta um aumento de 57% dos incidentes antissemitas em 2017, o maior aumento anual desde a década de 1970
Nova York, Estados Unidos - Durante mais de 50 anos, os judeus americanos viveram sentindo-se seguros, convencidos de que os ataques antissemitas eram coisa do passado.

O massacre de Pittsburgh confirmou que o horror voltou, testemunhando um aumento no extremismo alimentado pela polarização da era Trump e das redes sociais.

Os judeus americanos - cerca de 5,3 milhões se incluídas todas as pessoas de origem judaica, de acordo com o Pew Research Center - tiveram por um longo tempo "uma sensação ilusória de invulnerabilidade", declarou à AFP Jacques Berlinerblau, professor no centro da civilização judaica da Universidade de Georgetown, em Washington.

Esse sentimento, que os judeus europeus invejavam, "explodiu em pedaços", declarou o acadêmico, uma ideia compartilhada por muitos judeus americanos nas redes sociais desde o ataque a tiros que, no sábado, matou 11 pessoas em uma sinagoga em Pittsburgh.

De acordo com Kenneth Jacobson, vice-diretor da Liga Anti-Difamação (ADL), uma organização que combate o antissemitismo e a discriminação, o despertar dos judeus americanos contra a ameaça antissemita tem sido progressivo.

Quinze anos atrás, ele explicou, "os judeus nos diziam: ;Por que a ADL ainda existe? O antissemitismo não é mais um problema nos Estados Unidos;".

Quando os ataques antissemitas se multiplicaram na França e na Europa nos últimos anos, "a questão voltou ao debate", disse ele.

Então, com as manifestações da extrema direita em Charlottesville, em agosto de 2017, a multiplicação de suásticas e alertas de bomba contra instituições judaicas, "as pessoas perceberam que o antissemitismo também está presente aqui".

Em fevereiro, a ADL publicou um relatório que aponta um aumento de 57% dos incidentes antissemitas em 2017, o maior aumento anual desde a década de 1970.

E neste ano eleitoral de 2018, os ataques antissemitas, especialmente contra jornalistas judeus, se multiplicaram nas redes sociais, de acordo com um novo estudo da ADL, que narra uma série de hashtags e palavras-chave usadas por supremacistas brancos.

Estas incluem #NWO, por "New World Order", uma nova ordem mundial que as elites judaicas estariam preparando (segundo teorias da conspiração), ou "globalist", para "globalista", um adjetivo muitas vezes associado ao financista judeu George Soros, transformado no demônio dos extremistas e uma das personalidades anti-Trump que na semana passada foi alvo de um pacote com bomba.

"Há uma nova tecnologia do terror, e essa tecnologia é uma má notícia para os judeus", disse Berlinerblau.

Neste contexto, o ataque de Pittsburgh não é "um verdadeiro choque", mas sim "um descarrilamento lento: todo mundo percebe que haverá mais e mais episódios desse tipo, com todas as armas que existem neste país", alertou.

"Período assustador"
Não é um choque, mas há uma certeza de que o extremismo está inexoravelmente em ascensão: esse era o sentimento de muitos pais na segunda-feira ao deixaram seus filhos na escola de um grande centro comunitário judaico no Upper West Side, em Nova York, uma cidade que abriga mais de um milhão de judeus, a maior comunidade dos Estados Unidos.

"É realmente um período assustador", disse a nova-iorquina Jana Gold, de 42 anos, mãe de duas meninas de cinco e nove anos.

"Não me sinto mais vulnerável hoje" do que antes de Pittsburgh, disse. "Isso simplesmente contribuiu para o clima geral", acrescentou, observando a responsabilidade de Donald Trump, embora sua filha Ivanka tenha se convertido ao judaísmo e o presidente esteja seguindo uma política decididamente pró-Israel.

"Ao contrário do presidentes anteriores, (Trump) divide as pessoas em vez de tentar uni-las", estimou.

Para Bob Dorf, de 69 anos, que deixava seu neto de quatro anos no jardim de infância do centro comunitário, o presidente dos Estados Unidos "encoraja a violência".

Antes de Pittsburgh "já havia suásticas, grafites", diz este professor universitário. "Meu maior medo é quantos mais ataques teremos, é apenas o novo capítulo de uma saga horrível".

Como muitas grandes instituições judaicas em Nova York, o centro comunitário se protege há algum tempo: há um guarda na entrada e um controle de visitantes.

Enquanto o prefeito de Nova York anunciou no sábado o reforço da segurança em todas as instituições judaicas, Jacobson, da ADL, acredita que os judeus americanos agora enfrentam um dilema.

"A beleza da vida dos judeus americanos é que havia uma sensação de serem cidadãos verdadeiramente iguais" aos outros, disse ele.

"Agora, o desafio é levar (o antissemitismo) muito a sério e ao mesmo tempo não nos tornarmos (paranoicos como na) Europa. Os Estados Unidos têm sido geralmente um lugar formidável para os judeus, e queremos mantê-lo dessa maneira."

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação