Agência Estado
postado em 04/11/2018 13:00
Aliada do governo de Nicolás Maduro e um dos pilares de sobrevivência do regime, a China teve algumas de suas maiores estatais envolvidas no pagamento de US$ 324 milhões (R$ 1,2 bilhão) em transferências suspeitas à cúpula chavista em troca de contratos. Para os investigadores, a suspeita é a de que esses pagamentos sejam propinas. Documentos obtidos pelo 'Estado' em Andorra indicam que o dinheiro circulou por paraísos fiscais e empresas de fachada.
Os dados fazem parte de um inquérito de autoridades judiciais em Andorra, paraíso fiscal localizado entre Espanha e França. A investigação envolve todas as operações suspeitas que passaram pelo território, especialmente pela Banca Privada d'Andorra (BPA), um dos bancos mais importantes do país.
Em setembro, a Justiça de Andorra indiciou 29 pessoas que fariam parte de uma rede que fraudou a PDVSA, estatal do petróleo da Venezuela. Elas cobravam propina em troca de contratos com a empresa. Entre os acusados estão os ex-ministros da Energia Nervis Villalobos e Javier Alvarado, e Diego Salazar, primo de Rafael Ramírez, ex-presidente da PDVSA e ex-embaixador da Venezuela na ONU. Também foram processados outros diretores da estatal e 13 executivos da BPA.
Todos ocultaram dinheiro em Andorra em empresas de fachada criadas pela BPA, entre 2007 e 2012. A maioria deles já está presa nos EUA, na Espanha e na Venezuela por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Em Andorra, o Estado teve acesso apenas aos documentos que indicam a participação de estatais chinesas no esquema de corrupção.
A China tem sido um dos países que dão sustentação ao regime chavista. Em setembro, Maduro esteve em Pequim e voltou para casa com uma linha de crédito de US$ 5 bilhões, que servirá de respiro para o país, mergulhado na pior crise econômica de sua história.
Documentos obtidos pelo Estado, com data de setembro, identificam cinco empresas chinesas e uma dezena de funcionários do alto escalão do governo venezuelano. Um dos esquemas foi montado com a chinesa Camce, subsidiária da estatal Sinomach, que fabrica ferramentas e equipamentos de construção, atuante em 170 países.
A Camce assinou um contrato de consultoria com a Highland Assets para obter projetos do Ministério do Petróleo, em especial da PDVSA e da Corpoelec, do setor elétrico. A Highland Assets era a empresa de fachada de Diego Salazar.
A consultoria rendeu US$ 200 milhões em contratos para a Camce, que pagou 10% desse valor para a Highland Assets como contrapartida. Outros pagamentos também foram feitos para Ruben Figuera, diretor da PDVSA. Entre julho e outubro de 2012, ele recebeu da Camce dois pagamentos de US$ 6 milhões no total.
A mesma empresa chinesa ganhou um contrato da estatal Corpoelec para a construção da usina de El Vigia, em 2010. Bancos de Andorra registraram o pagamento da Camce para a Highland Assets no valor de US$ 36 milhões. Um ano depois, mais US$ 1 milhão seria enviado pela Camce.
Também em 2011, US$ 400 mil foram pagos por uma obra no Rio Guarico e US$ 1,6 milhão por uma obra no Rio Orinoco. Ainda em 2011, foram registrados mais um depósito de US$ 3 milhões e outro de US$ 10 milhões, sempre para a offshore do primo do ex-presidente da PDVSA.
Outro inquérito envolve a construtora chinesa CMEC, que fechou acordo com a DT Investments e Consulting, de Luis Mariano Rodríguez, primo de Salazar. "O objetivo era obter o contrato para a construção de uma estação de energia no Estado de Zulia", indicam os documentos. Os intermediários ficariam com 5% do total do contrato, que chegou a US$ 508 milhões.
A investigação também levanta suspeitas nos contratos da chinesa Sinohydro Corp, em 2010, na Venezuela. O conglomerado é o rosto da expansão da China pelo mundo, com 130 mil funcionários em 80 países. A suspeita é a de que o intermediário do caso seja Francisco Jimenez Villarroel, diretor da PDVSA na China entre 2005 e 2013.
As investigações ainda revelam que o mesmo padrão de atuação foi usado na venda de ônibus da chinesa Yutong para diversos municípios venezuelanos. Negócios também foram identificados entre a offshore de Diego Salazar e a Shandong Kerui Petroleum. O intermediário ficou com 15% dos contratos obtidos com a PDVSA. Procuradas, nenhuma das empresas chinesas respondeu aos pedidos de esclarecimento. A PDVSA também não atendeu aos pedidos de entrevista do Estado.
Acordos de US$ 20 bi
O esquema de corrupção denunciado por Andorra aponta para o uso de um diplomata venezuelano na embaixada em Pequim. Em troca de intermediar contatos entre as gigantes chinesas e os chavistas, ele recebeu mais de R$ 1,5 milhão. As transações ocorreram graças a uma aproximação importante entre China e Venezuela, a partir de 2007.
"A Venezuela, diante da necessidade de construir infraestrutura no setor energético, assinou convênios com a China para criar um fundo de financiamento conjunto", diz o Ministério Público de Andorra. O fundo foi financiado em dois terços pelos chineses - a Venezuela completou os recursos. Quem passou a administrar o fundo foi o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (Bandes).
Em 2010, mais um acordo de US$ 20 bilhões foi assinado. A condição era que empresas chinesas fossem privilegiadas nos contratos em licitações públicas. No centro do esquema estava Diego Salazar, primo de Rafael Ramírez, ex-presidente da PDVSA e ministro do Petróleo da Venezuela entre 2004 e 2014.
"Foi neste contexto que Salazar teve a ajuda dos diplomatas da embaixada na China, para entrar em contato com empresas e facilitar os contratos em troca de importantes somas de dinheiro", constatou a investigação. "As empresas chinesas pagaram a Salazar entre 10% e 15% dos contratos para obter as licitações."
"Para obter informações e poder se situar como intermediário imprescindível para as grandes empresas do setor, Salazar subornou o primeiro secretário da embaixada, Luis Tenorio Rodriguez. O diplomata passou a ser apresentado ao banco BPA, de Andorra, em 2012, e criou uma empresa de fachada, a Phomphein Corporation. Em troca de serviços de consultoria, Tenorio recebeu US$ 400 mil entre 2012 e 2014.
Chineses aliados
O presidente Nicolás Maduro já deixou claro que a China é um aliado de Caracas na "guerra econômica" contra os EUA. Nas últimas semanas, o governo venezuelano voltou a anunciar novos acordos com Pequim. Um deles, a venda de 9,9% das ações de uma joint venture, a Sinovensa, para uma empresa chinesa. Maduro também indicou que Pequim prepara investimentos de US$ 5 bilhões no petróleo venezuelano.
As declarações foram feitas em setembro, depois que Maduro voltou da China com 28 novos acordos de cooperação. Apesar de garantir que a viagem havia sido um "sucesso", ele não conseguiu detalhar como os US$ 5 bilhões chegariam à sua economia. Hoje, a produção de petróleo do país está em seu nível mais baixo em 60 anos e os recursos chineses são considerados fundamentais para resgatar a produção.
Ao longo de uma década, a China investiu mais de US$ 50 bilhões na Venezuela. Mas, nos últimos três anos, as linhas de crédito foram limitadas. Sem dinheiro, Maduro iniciou um expurgo contra parte dos dirigentes mencionados nas investigações de Andorra. As ações, porém, começaram depois que os suspeitos passaram a criticar seu governo.
Vira-casaca
Foi o caso de Rafael Ramírez, o ex-presidente da PDVSA, responsável por transformar a estatal em braço financeiro do regime, financiando os projetos do ex-comandante. A partir de 2017, Ramírez passou a criticar Maduro.
O resultado foi um cerco contra Ramírez, que terminou acusado de corrupção. No início do ano, o procurador-geral, Tarek William Saab, abriu um inquérito contra o ex-aliado e, há dois meses, pediu que ele seja extraditado da Espanha, onde vive. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.