Agência Estado
postado em 18/12/2018 14:21
O Taleban precisa fazer parte da reconstrução da paz no Afeganistão. Mas, para isso, deve renunciar ao uso da violência e cortar suas ligações com grupos terroristas. O alerta é de Abdullah Abdullah, chefe do governo afegão que, desde 2001, passou a ser uma das principais figuras da política do Afeganistão.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Abdullah disse que está disposto negociar com o Taleban, que foi escorraçado do poder por uma coalizão internacional, em 2001. Quase 20 anos depois, a violência voltou ao Afeganistão e estimativas indicam que o Taleban estaria controlando 45% do território afegão. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida em uma suíte de luxo de um dos hotéis mais caros da Suíça.
Em 2019, completam-se quatro décadas de instabilidade no Afeganistão. Qual o impacto do conflito?
Tudo começou com um golpe de Estado comunista, seguido pela invasão soviética. Depois, tivemos problemas internos e seguimos com Taleban e Al-Qaeda. O preço que a população pagou foi enorme. Mas, diante de todos esses problemas, o que se vê é a incrível resistência do povo afegão para manter a unidade do Afeganistão. Ainda temos milhões de refugiados, mas muito já foi feito. Hoje, temos liberdade de expressão, que é uma das grandes conquistas.
Dizem que o Taleban voltou com força e controla 45% do território afegão. O sr. acha que eles deveriam fazer parte da reconstrução do país?
Claro. O Taleban tem de fazer parte da reconstrução da paz no Afeganistão. Mas, antes disso, eles precisam abrir mão da violência, de ligações com terroristas e fazer parte do processo político. Pedimos um diálogo direto.
O sr. está pronto para dialogar com o Taleban?
Com certeza.
Sem precondições?
Para que as conversas ocorram, não. Temos de exigir algumas coisas. Mas não para que haja uma conversação direta. Como governo eleito, temos a responsabilidade de construir. E essa é uma responsabilidade maior que a de destruir. Eles rejeitaram essa ideia. Mas vamos insistir.
Hoje, diante do aumento da violência, o sr. acha que Barack Obama errou em retirar as tropas americanas?
Sim, foi um erro. Para o Taleban e os terroristas que lutam contra nós, a percepção era a de que, depois de dois anos, eles voltariam ao controle. Portanto, eles pensavam que tudo o que tinham de fazer era deixar de perder homens e evitar o confronto contra forças internacionais para manter sua presença. Aqueles que os apoiavam também começaram a pensar que o Taleban voltaria e muitos países quiseram restabelecer contato com o grupo.
Qual foi o impacto para o povo?
O anúncio americano criou incerteza. A transição não foi bem trabalhada. Os soldados passaram de 160 mil, no auge, para 10 mil. O impacto disso para a economia e para a segurança foi grande.
Hoje, com Trump, a estratégia é certa?
Está funcionando. Mas não dependente apenas dos Estados Unidos. A estratégia também depende de outros países.
Dos europeus?
Claro, não podemos olhar isso tudo apenas do ponto de vista afegão. Temos de olhar para isso tudo do ponto de vista de vários países. Por 19 anos, nos mandaram tropas. Não é fácil. Pedimos que eles continuem a nos apoiar. A retirada das tropas tem de ser gradual.
Nas áreas controladas pelo Taleban, existe risco de o Estado Islâmico encontrar abrigo?
A violência é responsabilidade do Taleban. Eles criaram a insegurança em determinadas regiões para, justamente, se aproveitar do clima e avançar. Quando esse é o caso, o EI também se aproveitou dessa situação em algumas áreas. No entanto, o Afeganistão foi o único país onde o avanço do EI foi contido. Eles foram derrotados em algumas regiões do país e, no leste do Afeganistão, estão sob enorme pressão. Claro, eles ainda não foram derrotados. Ainda lançam bombas e patrocinam atentados.
Há condições para uma eleição presidencial no Afeganistão em 2019?
Nas eleições parlamentares, este ano, aprendemos algumas lições para dar credibilidade e transparência ao processo democrático. Isso vai aumentar a confiança das pessoas. Para o governo, o cronograma segue com a eleição em abril.
E qual a garantia de que não haverá fraudes?
Com a formação do governo de unidade no Afeganistão, minha grande esperança é que isso não se repita, seja qual for minha decisão de concorrer. Não é um caso pessoal. Isso afetou a todos, a credibilidade do processo. Se não apresentarmos um processo legítimo, como é que podemos nos apresentar com credibilidade diante da população? Uma eleição é mais do que apenas determinar um vencedor. É a fundação da estabilidade. Se ela não for bem realizada, a população perderá o interesse na democracia.