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Guatemala encerra missão anticorrupção da ONU e enfrenta a Justiça

A decisão também provoca tensões internas no país e risco de protestos de civis contra o governo do presidente Jimmy Morales

Agência France-Presse
postado em 08/01/2019 19:34
A decisão também provoca tensões internas no país e risco de protestos de civis contra o governo do presidente Jimmy Morales
Cidade da Guatemala, Guatemala - O encerramento unilateral da missão anticorrupção da ONU na Guatemala desatou uma guerra judicial e provocou tensões no país, onde organizações civis ameaçam com protestos contra o governo do presidente Jimmy Morales. O governo anunciou na véspera o fim do acordo da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), subordinada à ONU, desatando uma onda de reações de vários setores, que defendem ou repudiam a ação.

Grupos pró-justiça, humanitários, acadêmicos, indígenas e universitários pedem que se reverta a medida do presidente, enquanto setores conservadores, políticos de direita e a cúpula empresarial exigem que se respeite a decisão e a soberania do país. "A decisão unilateral do presidente Morales (...) é um sinal do progressivo rompimento institucional e do Estado de Direito", disse Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz 1992.

Em defesa da ação de Morales, o senador americano Mike Lee, um republicano, publicou no Twitter que "a Guatemala tem todo o direito de se pronunciar e se defender de violações à sua soberania e abusos cometidos" pela Cicig. Juristas debatem a possível ilegalidade da surpreendente decisão: enquanto uns a consideram adequada ao direito, outros sustentam que o governo desobedeceu sentenças da máxima instância judicial do país, a Corte de Constitucionalidade (CC), que avalizou a presença da Cicig.

Até o momento, foram apresentados cinco salvaguardas ante a CC contra o presidente e quatro delas pedem a destituição de Morales. Várias entidades sociais organizam protestos na capital e no interior do país contra a medida governamental.

Tensão acumulada

A decisão de Morales ocorre depois de o Executivo tentar impedir no fim de semana a entrada no país do investigador colombiano Yinel Osorio, da Cicig, e de um longo enfrentamento com o chefe da missão, o ex-juiz colombiano Iván Velásquez, a quem Morales quis expulsar e posteriormente negou, em setembro passado, a entrada ao país quando estava em viagem nos Estados Unidos.

A relação de Morales com a Cicig é hostil desde o início de seu mandato, em 2016, depois que a entidade acusou seu filho e seu irmão de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Os dois estão à espera de julgamento. A situação se agravou em agosto de 2017, quando a Cicig e a promotoria acusaram Morales de corrupção nas finanças de seu partido, quando venceu a Presidência, em 2015.

Nesta terça, o governo publicou no diário oficial a decisão que dá por concluído o acordo de criação da Cicig, cujo mandato terminaria em 3 de setembro. O secretário-geral da ONU, António Guterres, rejeitou categoricamente a decisão e exortou as autoridades guatemaltecas a respeitarem os compromissos sobre a comissão.

Apoio à Cicig

Igualmente, o ombudsman Jordán Rodas considerou que a decisão presidencial viola o Estado de Direito, os tratados internacionais e o convênio de criação da comissão. Por isso, apresentou uma salvaguarda junto à CC para revertê-la. Rodas afirma que as ações do presente são um atentado à democracia e à luta contra a impunidade e a corrupção.

Por outro lado, a organização Ação Cidadã (AC), braço local da Transparência Internacional, apresentou na CC um recurso de salvaguarda contra o fim do acordo da Cicig e uma solicitação para destituir o presidente e a chanceler, Sandra Jovel.

Somaram-se à onda de críticas o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e a Anistia Internacional, segundo os quais a medida viola as obrigações internacionais e é "um novo atropelo na luta contra a impunidade".

Repúdio à Cicig

A cúpula empresarial, aglutinada no Comitê de Associações Agrícolas, Comerciais, Industriais e Financeiras (Cacif), apoia a retirada da Cicig, a qual denunciaram por "graves faltas ao devido processo". "O encerramento da Cicig é uma decisão que está enquadrada em suas competências (governamentais) em virtude da Constituição" do país, acrescentou o Cacif em um comunicado. No entanto, advertiu que a medida deve estar acompanhada "de medidas efetivas que assegurem a luta contra a corrupção e a impunidade".

O grupo de direita Guatemala Inmortal exortou a população a apoiar a decisão de Morales. "A Cicig foi se apoderando do sistema de Justiça (...) e a pouca confiança que havia nos juízes desapareceu por culpa da Cicig", avaliou o dirigente José Luis González.

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