Agência Estado
postado em 21/01/2019 22:31
Quando Hilde Schramm herdou diversas coleções de pinturas de seu pai, ela sabia apenas uma coisa: não queria nenhuma dessas obras. Hilde é filha do chefe dos arquitetos e ministro de Armamentos de Adolf Hitler Albert Speer.
Apesar de determinar que os quadros provavelmente não foram tomados de judeus durante a 2ª Guerra, a alemã queria que sua herança, de alguma maneira, beneficiasse outras pessoas. Ela se juntou com amigos em seu escritório em Berlim e elaborou um plano para vender os quadros e usar o dinheiro para apoiar projetos artísticos de mulheres judias na Alemanha.
Assim, em 1994, nascia o projeto Fundação Zurueckgeben, pelo qual nesta segunda-feira, 21, Hilde recebeu o prêmio Obermayer German Jewish History Award. A honraria foi estabelecida por filantropos americanos judeus para reconhecer os esforços de alemães não judeus alemães para manter viva a cultura judaica de seu país.
O nome da fundação pode ser traduzido algo como "retorno", mas também pode significar "restituição" e Hilde disse que a palavra foi intencionalmente escolhida para enfatizar o objetivo de aumentar a conscientização em uma época em que roubo de propriedade e arte judaica era um assunto sobre o qual não se falava muito.
Hoje, há um amplo entendimento de que os nazistas saquearam preciosas obras de arte e outras propriedades de judeus europeus graças, em parte, aos recentes esforços do governo alemão de identificar herdeiros e organizar restituições, e também em razão do popular filme americano Caçadores de Obras-primas, de 2014.
Mas o principal foco tem sido os itens de grande valor como preciosas pinturas e esculturas. A fundação de Hilde encoraja os alemães em geral a fazer um balanço dos itens em suas casas e se questionarem de onde eles podem ter vindo.
Em parte, seu objetivo é combater o clichê perpetrado pelos nazistas de que todos os judeus eram ricos e poderosos na época e também para afastar a noção de que apenas a elite nazista lucrou com o roubo dos judeus.
Desde o início da fundação, centenas de alemães fizeram doações e ela consegui financiar cerca de € 500 mil em projetos de mais de 130 mulheres judias, incluindo teatros infantis, exibições, shows de dança, publicação de livros e filmes.
Ex-deputada estadual do Partido Verde alemão, educadora e escritora, Hilde, de 82 anos, já se envolveu em diversos outros projetos relacionados à era nazista. Ela já foi agraciada pela cidade de Berlim com o prêmio Moses Mendelssohn, que tem esse nome em homenagem ao filósofo judeu e premia as pessoas que fomentam a tolerância.
Ponto cego
Ela também ajudou a organizar uma associação sem fins lucrativos para apoiar projetos na Grécia após a crise financeira naquele país e já recebeu em sua própria casa sete refugiados do Afeganistão e da Síria, após a decisão da chanceler Angela Merkel de abrir as fronteiras alemãs para mais de 1 milhão de imigrantes entre 2015-2016.
"Onde quer que eu tenha ido ou o que quer que eu tenha feito, eu vi algo que estava em no ponto cego e decidi agir", disse.
Hilde tinha apenas 9 anos quando a guerra acabou. Apesar de ter havido ocasiões em que acompanhou seu pai em reuniões com Hitler e outros nazistas de alto escalão, a perseguição aos judeus era algo de que ela não sabia nada.
"Eu não tinha ideia", disse ela. "Mas talvez eu não quisesse saber. Não sei dizer."
Pena
Diferentemente de muitos outros nazistas importantes que cometeram suicídio ou foram executados após a guerra, Albert Speer ficou 20 anos em uma prisão de Berlim cumprindo sentença por crimes de guerra após ter sido condenado nos julgamentos de Nuremberg.
Em seu julgamento, Speer, que morreu em 1981 em Londres, aceitou responsabilidade moral pelos crimes, mas insistiu que ele não sabia sobre o Holocausto - uma afirmação que foi muito contestada.
Hilde pôde confrontá-lo e fazer a ele suas perguntas, o que foi uma oportunidade que, segundo ela, muitos dos doadores de sua fundação não tiveram com seus parentes.
"De certa maneira, eu sempre me senti em uma boa situação, eu sabia o que meu pai tinha sido e o que ele tinha feito muito cedo", disse. "Muitos homens e mulheres da minha geração não têm resposta sobre o que sua família fez."
O prêmio de Hilde foi o sexto entregue pela organização do filantropo Arthur Obermayer, estabelecida em 2000.