Agência France-Presse
postado em 22/01/2019 16:33
Caracas, Venezuela - Governo e oposição voltarão às ruas da Venezuela nesta quarta-feira (23) medir forças nas ruas em um clima influenciado pelo rápido levante de 27 militares que não reconheceram o presidente Nicolás Maduro.
Em sua primeira alusão pessoal ao levante e posterior captura dos rebeldes, Maduro assegurou nesta terça-feira (22), pelo Twitter, que a Força Armada "deu incontáveis demonstrações de disciplina, coesão e preparo para enfrentar qualquer ameaça dos inimigos da Pátria".
Enquanto isso, os Estados Unidos, país ao qual o presidente socialista acusa de estar por trás de um "golpe de Estado em andamento", expressaram nesta terça seu apoio às mobilizações populares, que exigirão um "governo de transição" e a realização de eleições.
"Estamos com vocês (...) e seguiremos com vocês até que se restaure a democracia e recuperem seu direito à liberdade", destacou o vice-presidente americano, Mike Pence, em vídeo divulgado pelo Twitter.
Após o levante militar, cerca de 30 protestos pequenos foram registrados em setores populares de Caracas e arredores, alguns até a madrugada desta terça, com bloqueios de ruas, saques a estabelecimentos comerciais, panelaços e confrontos com autoridades, segundo a ONG Observatório de Conflito Social.
";Fora, Maduro!', gritavam as pessoas. Foi horrível. A polícia atirando e gases lacrimogêneos por todos os lados. Tive que enfiar meus netos no banheiro", relatou à AFP Dinora de Longa, de 60 anos, no bairro Los Mecedores.
Os focos de protesto estouraram assim que, em meio a intensos apelos da oposição para que a Força Armada rompa com Maduro, 27 militares roubaram armas de um quartel e se entrincheiraram em um destacamento em Cotiza (norte de Caracas), onde foram detidos na mesma segunda-feira.
"Transição para o socialismo"
Sob a liderança do jovem líder do Parlamento, Juan Guaidó, que se diz disposto a liderar um "governo de transição", os opositores vão se mobilizar na quarta-feira.
"A única transição na Venezuela é para o socialismo", refutou o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, ao convocar os seguidores do governo a marchar maciçamente em diferentes pontos do país.
Será a primeira grande queda de braço nas ruas após os violentos protestos que deixaram 125 mortos entre abril e julho de 2017, em meio à pior crise da história moderna do país petroleiro, com escassez de comida e remédios e uma hiperinflação que o FMI projeta em 10.000.000% para 2019.
A crise provocou o êxodo de 2,3 milhões de pessoas desde 2015, segundo a ONU, o maior movimento migratório da história recente da América Latina, que deu lugar a episódios de xenofobia em países vizinhos, como Brasil, Colômbia e Equador.
O Parlamento, de maioria opositora, debatia nesta terça-feira a proposta de conceder anistias a militares e civis que não reconhecerem Maduro.
A sessão desafia uma sentença proferida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ, de orientação governista), que declarou nula a junta diretiva presidida por Guaidó e reiterou a sentença judicial de 2016, que declarou em desacato o Legislativo e nulas todas as suas decisões.
Há uma semana, o Congresso declarou Maduro um "usurpador", depois de ter assumido em 10 de janeiro um segundo mandato considerado ilegítimo por vários governos, e prometeu anistia aos militares, considerados a sustentação do presidente.
"Não estamos te pedindo para dar um golpe de Estado, que atire (...), estamos te pedindo que defenda junto conosco o direito do povo de ser livre", disse Guaidó nesta segunda-feira em vídeo aos militares.
O líder legislativo assegura que o chamado do Parlamento está repercutindo e que o rápido levante militar mostra o descontentamento na Força Armada.
Anistia
Para a especialista em temas militares Sebastiana Barráez, a anistia "pôs em alerta o poder estabelecido. Abre uma porta àqueles militares que estão cansados com o que acontece dentro da FANB [Força Armada Nacional Bolivariana]", disse.
O novo mandato de Maduro não foi reconhecido pelos Estados Unidos, por vários governos latino-americanos e pela União Europeia, que pretende lançar em fevereiro um grupo de contato internacional para buscar uma saída negociada para a crise, anunciou a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
Quando tomou posse de seu polêmico segundo mandato, Maduro recebeu a promessa de "lealdade absoluta" da Força Armada, integrada por 365.000 efetivos e 1,6 milhão de milicianos civis.
A FANB, que se diz chavista e anti-imperialista, garante estar unida. Mas segundo a ONG Controle Cidadão, uns 180 efetivos foram detidos em 2018, acusados de conspirar, uns 100.000 militares pediram baixa desde 2015 e mais de 4.000 desertaram da Guarda Nacional em 2018.
Dois generais estão entre os detidos por um suposto atentado contra Maduro em 4 de agosto, quando dois drones carregados com explosivos estouraram perto de um palanque onde o presidente chefiava um ato militar.