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Quarenta anos da insurreição que destronou a monarquia do xá Reza Pahlevi

Revolução da meia-idade chega aos 40 anos às portas de uma sucessão que se anuncia turbulenta e em meio a tensões crescentes com os Estados Unidos, que romperam o acordo nuclear e retomaram sanções

Silvio Queiroz
postado em 28/01/2019 06:00
O líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei, lado a lado com o antecessor e inspirador da revolução de 1979: transição à vista em período de desafios na frente externa
As barbas brancas e o semblante pesado dos líderes religiosos sugerem uma imagem mais vetusta, mas a República Islâmica do Irã comemora nas próximas semanas os 40 anos da revolução surpreendente que destronou, em 1979, o xá Reza Pahlevi e uma monarquia milenar, e inaugurou um período de sobressaltos e reacomodações políticas e geopolíticas no Oriente Médio. O regime de Teerã, que desde então confronta a hegemonia dos Estados Unidos na região, chega à meia-idade cercado pelas incertezas de uma sucessão que se insinua no horizonte próximo. O líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei, completa 80 anos, e a aproximação do processo sucessório acrescenta mais uma variável a uma equação na qual não faltam incógnitas, em meio a um cenário de instabilidade em múltiplas frentes ; da guerra civil na Síria à frágil paz no Iraque, passando pela rivalidade crescente com Israel e a Arábia Saudita.

;Embora Khamenei possa viver ainda por muitos anos, as disputas políticas tendem a se intensificar à medida que ele envelhece;, adverte um relatório divulgado há 15 dias pela agência de risco Fitch Solutions para os seus clientes. ;Essa competição reflete rivalidades pessoais, de grupos e ideológicas;, avaliam os analistas da consultoria. A despeito da imagem externa de um sistema fechado e quase monolítico, e embora distante dos parâmetros ocidentais de uma democracia, o regime islâmico iraniano comporta nuances. Grosso modo, o establishment político-religioso se divide em três correntes: a conservadora, a moderada e a reformista.

;O sucessor de Khamenei tende a sair da linha-dura, como ele próprio, mas precisará de tempo para se consolidar no poder. É de esperar que seja desafiado politicamente pelos concorrentes;, diz o relatório. A Fitch identifica, a princípio, três candidatos principais. O aiatolá Sadegh Amoli Larijani, 57 anos, responde pelo estratégico Conselho de Expedientes, organismo instituído para arbitrar discordâncias entre os três poderes republicanos tradicionais ; Executivo, Legislativo e Judiciário ;, que operam à sombra do líder supremo, uma espécie de Poder Moderador. Próximo a Khamenei, Larijani pertence à facção conservadora, assim como Ibrahim Raisi, 59, que o sucedeu no comando da Justiça. Como contraponto emerge o atual presidente, Hassan Rohani, 70, religioso moderado eleito em 2013 e reeleito em 2017 com a plataforma de recolocar o país no cenário global.

A linha de fratura, na corrida pela sucessão de Khamenei, tende a se desenhar justamente na combinação entre o apelo doméstico, condicionado ao impacto de uma situação econômica delicada, e a política externa. ;Será uma disputa entre os que preferem o Irã como um Estado islâmico em confronto com o Ocidente liderado pelos EUA e os que defendem um país mais liberal, política e socialmente, integrado à economia global e menos hostil a Washington e seus aliados;, resumem os estudiosos da Fitch.


Acordo nuclear


Naysan Rafati, analista do instituto International Crisis Group, com base em Bruxelas, situa no centro dos próximos movimentos das facções religiosas no Irã o futuro do acordo nuclear firmado em 2015 com os EUA e mais cinco potências (Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha). Costurado no governo de Rohani, o tratado resultou na suspensão de sanções econômicas e diplomáticas internacionais, em troca do congelamento de atividades consideradas suspeitas de configurar a busca de armas atômicas. Em maio de 2018, Donald Trump retirou-se do acordo e, nos meses posteriores, retomou as sanções que tinham sido suspensas pelo antecessor, Barack Obama.

;A retirada (dos EUA) foi o ponto de partida para uma campanha agressiva, com o objetivo declarado de levar o Irã a renegociar os termos (do acordo), mas cujo objetivo real mais provável é forçar Teerã a novas concessões, sob a pressão de uma crescente inquietação interna;, escreveu Rafati, em relatório compilado no fim de 2018. O especialista lembra a temporada de manifestações contra a crise econômica, no segundo semestre do ano passado, que produziu confrontos violentos em importantes cidades iranianas.

Rafati relaciona a pressão exercida pelo governo Trump com a meta de conter a influência conquistada por Teerã, nas últimas décadas, em um arco que se estende do Iraque ao Líbano, passando pela Síria e se desdobrando para a Palestina, onde o regime islâmico tem um aliado no movimento islâmico Hamas. O analista do International Crisis Group vê nesse terreno o risco de mais fricções entre Washington e Teerã, com potencial de risco em um momento no qual a República Islâmica se avizinha de instabilidade interna ; seja pela expectativa de renovar o posto de líder supremo, seja pela inevitável substituição do presidente, dentro de dois anos. ;A análise dos últimos 40 anos não mostra correlação entre pressões econômicas e a ação externa do Irã. Uma escalada no regime de sanções, além de não favorecer a segurança regional, pode desembocar em uma guerra;, alerta.

O último imperador

Mohammed Reza Pahlevi celebrou os 2.500 anos do império persa, em 1967, coroando a si mesmo, como Napoleão Bonaparte, e à terceira mulher, a imperatriz Farah Diba. O sonho do xá era reinar até o fim da vida, por ;direito divino;, mas teve fim 12 anos mais tarde ; por ironia, na esteira de uma insurreição popular comandada pelo líder religioso dos muçulmanos xiitas, que formam mais de 80% da população do Irã. Coroado em 1941, Pahlevi tomou de fato as rédeas do país em 1953, quando um golpe apoiado pelos EUA depôs o premiê nacionalista Mohammed Mossadegh. Aliado a Washington, o xá promoveu no início dos anos 1960 um ensaio de modernização, a ;revolução branca;, rejeitada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, que por fim o destronaria. Pahlevi e a família deixaram o Irã em janeiro de 1979. Após turbulenta estada nos EUA, morreu de câncer, em 1980, aos 60 anos.

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