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As freiras 'escravas sexuais', um novo golpe para a Igreja católica

Papa Francisco abriu um capítulo novo e obscuro no escândalo dos abusos sexuais que abala a Igreja Católica ao admitir que padres usaram freiras como 'escravas sexuais'

Agência France-Presse
postado em 06/02/2019 15:29
Papa Francisco abriu um capítulo novo e obscuro no escândalo dos abusos sexuais que abala a Igreja Católica ao admitir que padres usaram freiras como 'escravas sexuais'
Cidade do Vaticano, Santa Sé - Ao admitir na terça-feira que padres usaram freiras como "escravas sexuais" - e que alguns continuam a fazê-lo -, o papa Francisco abriu um capítulo novo e obscuro no escândalo dos abusos sexuais que abala a Igreja Católica.

"Esta é a primeira vez que o papa, mas também a Igreja como instituição, admite que esses abusos ocorrem, e isso é extremamente importante", diz À AFP Lucetta Scaraffia, editora-chefe da "Women Church World", suplemento feminino do jornal do Vaticano, o Osservatore Romano.

Questionado no avião que o trouxe de volta dos Emirados Árabes Unidos na terça-feira, o papa Francisco reconheceu que "padres e bispos" haviam cometido agressões sexuais contra freiras.

Esse fenômeno pode ser encontrado "em todos os lugares", mas está mais presente em "algumas novas congregações e em algumas regiões", acrescentou, apontando: "Estamos trabalhando nesse assunto há muito tempo".

Ele prestou homenagem ao seu predecessor, Bento XVI, que teve "a coragem de dissolver uma congregação feminina", onde "havia esta escravidão de mulheres, escravização que chegava à escravidão sexual das mulheres pelos clérigos e seu fundador".

Jorge Bergoglio evocou a congregação francesa das Irmãs contemplativas de São João, cujos superiores foram afastados após uma investigação do Vaticano sobre excessos sectários e sexuais.

Por "escravidão sexual" ele quis dizer "manipulação, uma forma de abuso de poder que também se reflete em abusos sexuais", explicou a Santa Sé.

O escândalo dos padres que violam ou abusam de freiras se inscreve num contexto mais amplo de abuso de poder que permitiu membros do clero pedófilos de agir com impunidade durante décadas em muitos países.
#MeToo
Na sequência de revelações sobre os crimes generalizados de abuso infantil e do movimento #MeToo, freiras começaram a levantar a voz nos últimos anos.

A ponto de ver "Women Church World" dedicar sua última edição às freiras estupradas, forçadas a abortar ou criar seus filhos sozinhas, expulsas de sua comunidade, crianças nunca reconhecidas por seu pai.

E na semana passada, um alto funcionário de um ministério do Vaticano, acusado por uma ex-freira alemã de assediá-la durante uma confissão, finalmente renunciou, quatro anos depois de um julgamento canônico que lhe valeu uma advertência.

"Muitas reclamações foram enviadas ao Vaticano e não foram apuradas", lamentou Scaraffia. "Eu realmente espero que uma comissão seja criada para investigar e que especialistas religiosos sobre esse assunto sejam convidados a participar".

"Eles poderiam iniciar processos, e especialmente falar sobre isso, porque é o silêncio que permite que os estupradores continuem a estuprar", acrescenta ela.

Se o problema está presente em toda a Igreja, se concentra particularmente na África, na Ásia e na América Latina.

Abusos de mulheres religiosas foram relatados do Chile à República Democrática do Congo, passando por Itália, Quênia, Peru e Ucrânia.

Na Índia, uma freira recentemente acusou um bispo de estuprá-la em diversas ocasiões.

Mas para as vítimas, "não é fácil falar. Elas temem que se voltem contra elas ou contra a congregação", diz Scaraffia.

Para ela, a essência do problema reside no poder dos padres sobre a vida das freiras, sua entrada nas ordens aos detalhes de suas vidas diárias e até seu salário. "Elas não são reconhecidas como iguais".

O fato de o papa reconhecer o problema "representa mais um golpe para a imagem da Igreja, mas também uma oportunidade para mostrar que a mudança está realmente em curso", diz Scaraffia.

A chave? "Retirar dos padres sua aura de poder, que permite a eles se comportar assim".

E mesmo que ainda haja "grande resistência", o exemplo do levantamento gradual da omerta em casos de agressões de pedofilia mostra que isso pode evoluir, concluiu.

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