Agência France-Presse
postado em 10/02/2019 16:47
O opositor Juan Guaidó, reconhecido por meia centena de países como presidente interino da Venezuela, advertiu os militares, neste domingo (10), que impedir a entrada da ajuda humanitária os tornam "quase genocidas", porque se trata de um "crime contra a humanidade".
"Isso tem responsáveis e que o regime saiba disso. É um crime contra a humanidade, senhores das Forças Armadas", disse Guaidó à imprensa, depois de assistir a uma missa em Las Mercedes, a leste de Caracas, com sua esposa Fabiana Rosales e seu bebê de 20 meses.
Guaidó, chefe do Parlamento de maioria opositora, garantiu que os militares se tornam "vitimizadores" e "quase genocidas", por "ação" quando "matam" jovens que protestam e "por omissão" quando "não permitem ajuda humanitária".
O líder opositor reiterou sua convocação para uma passeata na terça-feira, Dia da Juventude, em memória dos mortos - cerca de 40 em tumultos desde 21 de janeiro, segundo a ONU -, e para exigir que a ajuda seja permitida.
Medicamentos e alimentos enviados pelos Estados Unidos permanecem há três dias em armazéns do centro de coleta instalado em Cúcuta, Colômbia, perto da ponte fronteiriça de Tienditas, bloqueada por militares venezuelanos com dois contêineres e uma cisterna.
O presidente venezuelano Nicolás Maduro afirma que a "emergência humanitária" é "fabricada por Washington" para "intervir" no país petrolífero, descreve como "show político" o envio de ajuda e culpa as sanções dos Estados Unidos pela escassez de alimentos e medicamentos.
"Eu entendo que o regime se negue a reconhecer a crise que eles geraram, mas nós, venezuelanos, estamos trabalhando duro para cessar a usurpação (de Maduro no poder) e abordar esta emergência", disse Guaidó, diante de um grande grupo de jornalistas e apoiadores.
Na pior crise de sua história moderna, a Venezuela sofre com a escassez de produtos básicos e hiperinflação. Fugindo do desastre, cerca de 2,3 milhões de venezuelanos emigraram desde 2015, segundo a ONU.
O dilema da Força Armada
A Forças Armada, a espinha dorsal do governo, iniciou neste domingo seus exercícios militares, que acontecerão até 15 de fevereiro em todo o país, para "fortalecer a capacidade defensiva do território", segundo a convocatória.
"Lamento pelo o que fazem nossa Força Armada passar. Depende de vocês (...) Nós colocamos o dilema claramente, estamos dando uma ordem: permitir a entrada da ajuda humanitária", disse Guaidó, referindo-se às manobras .
Com esse "dilema" e a oferta de anistia, o oponente, de 35 anos, tenta romper o principal apoio de Maduro, embora a liderança tenha reiterado "lealdade absoluta".
Guaidó anunciou que neste fim de semana centenas de voluntários se inscreveram para colaborar com o processo "complexo" de entrada de ajuda, e que em breve mais carregamentos chegarão aos centros de coleta no vizinho Brasil e em uma ilha caribenha.
"Hoje, 300.000 venezuelanos são condenados à morte se a situação de emergência não for resolvida", acrescentou o chefe legislativo.
Em entrevista à AFP na sexta-feira, Guaidó alertou que fará "o que é necessário" para conseguir "a cessação da usurpação" e "salvar vidas", sem descartar que o Parlamento autorize a intervenção de uma força estrangeira.
"A ajuda humanitária é o centro da luta entre os dois blocos de poder", uma disputa que "está em torno das Forças Armadas", explicou o cientista político Luis Salamanca.
Entrevistado pela AFP em Bogotá, onde mora, o empresário venezuelano Pedro Carmona, que ocupou a presidência por um breve golpe contra Hugo Chávez em 2002, acredita que seu país sofre uma "tirania", considera Guaidó legítimo como uma transição para o eleições no país e rejeita uma intervenção militar.
"O futuro é nosso"
Guaidó reiterou neste domingo ser contrário a uma negociação com Maduro, afirmando que o governo usou as negociações anteriores para ganhar fôlego. "Hoje o tempo não está a seu favor. Como nunca antes, a democracia está perto, o futuro é nosso", afirmou.
"Todos os bons ofícios dos países que querem acompanhar o processo que leva à cessação da usurpação, o governo de transição e eleições livres, serão, obviamente, bem recebidos", disse ele.
O Grupo de Contato Internacional (CGI), formado por países da Europa e da América Latina, se reuniu em Montevidéu na quinta-feira e pediu eleições presidenciais "livres" em sua declaração final.
Maduro rejeitou o que considerou uma "parcialização" do CGI e disse esperar que o Papa Francisco aceite seu chamado para mediar uma negociação.
O Grupo de Contato também decidiu enviar uma missão técnica à Venezuela e pediu que "se permita a entrada urgente" da ajuda, em coordenação com a ONU, que garantiu que só agirá com o aval das autoridades.
Guaidó se proclamou presidente interino em 23 de janeiro, depois que o parlamento declarou Maduro "usurpador" por ter sido reeleito em eleições questionadas dentro e fora da Venezuela.