Na próxima quinta-feira (28/2) o Vaticano receberá os mais importantes bispos de todo o mundo para uma reunião histórica e sem precedentes. Convocada pelo papa Francisco, a cúpula vai tratar do tema que, há décadas, tem abalado os alicerces da Igreja Católica: abuso sexual e proteção das crianças. Os presidentes das Conferências Episcopais estarão reunidos até o dia 24.
O tom do encontro deve ser o da "tolerância zero". O próprio papa Francisco deu uma pista disso ao expulsar, no sábado (16/2) o ex-cardeal americano Theodore McCarrick, de 88 anos, acusado de abusos sexuais contra ao menos um adolescente. Foi a primeira vez na história da Igreja Católica que um cardeal perdeu o seu título depois de ser acusado de abuso.
Sobre o encontro, o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Greg Burke, já declarou que se trata de "uma reunião sem precedentes, o que mostra que o papa Francisco fez da proteção de menores uma prioridade fundamental para a Igreja". Ele continuou: "Trata-se de manter as crianças seguras contra prejuízo em todo o mundo. O papa Francisco quer que os líderes da Igreja tenham uma compreensão completa do impacto devastador que o abuso sexual clerical tem sobre as vítimas."
Além disso, Burke explicou que "a reunião é primariamente para os bispos, eles têm muita responsabilidade por esse grave problema. Mas homens e mulheres leigos que são especialistas no campo dos abusos darão sua contribuição e podem ajudar a abordar especialmente o que precisa ser feito para garantir transparência e responsabilidade".
A expectativa é de que o encontro histórico produza diretrizes e normas especificas de como os bispos devem cuidar das vítimas, punir os infratores e manter os acusados fora do sacerdócio. Também deve ser abordada a responsabilidade dos religiosos que, mesmo sabendo dos abusos, se mantiveram em silêncio.
A reunião está marcada desde o dia 12 de setembro de 2018. Ela vem sendo organizada por um comitê formado pelo cardeal Blase J. Cupich, arcebispo de Chicago (Estados Unidos); cardeal Oswald Gracias, arcebispo de Bombaim (Índia) e presidente da Conferência Episcopal da Índia; dom Charles Scicluna, arcebispo de Malta e secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé; e padre Hans Zollner, presidente do Centro para a Proteção de Menores da Pontifícia Universidade Gregoriana e membro da Pontifícia Comissão para a Tutela de Menores.
Esse movimento foi gestado a partir da crise de 2018, quando escândalos sexuais envolvendo o alto clero foram revelados nos Estados Unidos, Chile, Alemanha e outros países. Nos EUA, por exemplo, um relatório indicou o abuso de mais de mil menores de idade por cerca de 300 religiosos durante 70 anos (o mesmo relatório informou que o próprio Vaticano saberia do escândalo desde 1963).
No Chile, uma investigação conseguiu ouvir mais de 60 vítimas de abuso. Ao fim do processo, bispos chilenos renunciaram em bloco aos seus postos. Ainda no ano passado, a Conferência Episcopal alemã apontou 3.677 casos de abusos sexuais cometidos por mais de 1.500 membros da Igreja Católica entre 1946 e 2014.
No início de 2018, o papa Francisco chegou a desconfiar das vítimas de um padre chileno acusado de abuso sexual. Mas, depois de muitas críticas, o próprio pontífice admitiu ter cometido "sérios erros de julgamento", por não saber de uma "cultura de encobrimento".
Além disso, um de seus colaboradores mais próximos, o cardeal australiano George Pell, prefeito da Secretaria de Economia do Vaticano, virou réu por supostos abusos cometidos nas décadas de 1970 e 1990.
Brasil
Em setembro de 2018, a comissão papal contra o abuso de menores afirmou que o Brasil receberá um projeto-piloto mundial para a escuta das vítimas de abusos sexuais. Ásia e África também devem ter projetos semelhantes. Detalhes do projeto também podem ser definidos no encontro que se inicia no dia 21. (Com agências internacionais).