Agência Estado
postado em 10/03/2019 08:40
Uma das coisas que têm atraído visitantes - venezuelanos que emigraram ou estrangeiros - a Caracas é uma medida adotada pelo Banco Central da Venezuela: a aplicação de uma taxa de câmbio melhor até do que a do mercado paralelo. A decisão foi tomada para atrair dólares para o país, depois do cerco liderado pelos EUA para asfixiá-lo financeiramente.
No dia 28 de janeiro, o dólar oficial passou de 2.084 para 3.299 bolívares - um valor superior ao do paralelo. Com isso, em vez de se aventurar pelos calçadões do centro de Caracas para trocar moeda a uma cotação melhor, os venezuelanos com contas no exterior e os turistas podem simplesmente usar seus cartões de crédito para fazer pagamentos a preços relativamente baixos.
O problema para o regime é que isso diminui os ganhos dos militares e empresários que, por suas relações com o governo, lucravam com as diferenças entre a taxa de câmbio oficial e o valor real de mercado. Menos lucros significam menos disposição de arriscar a pele por um regime que enfrenta uma robusta oposição interna e externa.
Com a rápida perda de moeda forte, o BCV vem desvalorizando o bolívar frente ao dólar. Desde o mês passado, ele passou a flutuar livremente. Antes de permitir a flutuação, o BCV desvalorizou o bolívar soberano - instituído em agosto, com corte de cinco zeros - em 35%.
O BCV recebe pagamentos em dólares e os converte em bolívares para estabelecimentos comerciais. Essa se tornou uma das poucas opções de entrada de divisas, depois da imposição, em maio, das sanções dos EUA, em reação à reeleição naquele mês de Nicolás Maduro, considerada fraudulenta. Outra forma é a remessa de dinheiro para famílias por parentes no exterior. O governo proibiu, no mês passado, o envio de remédios, para incentivar a remessa de dólares, também embolsados pelo BCV, que os converte em bolívares.
Desde janeiro, a Venezuela não recebe mais pelo petróleo que exporta, nem vende seu ouro. O governo tentou sacar o equivalente a US$ 1,2 bilhão em barras de ouro do Banco da Inglaterra, mas a operação foi negada. Depois, quando estava separando o equivalente a US$ 800 milhões (10% das divisas declaradas) em barras de ouro dentro do BCV, funcionários do próprio banco alertaram a imprensa. O ouro seria transportado em um avião russo para os Emirados Árabes. A operação foi abortada, sob pressão dos EUA.
A Venezuela tem hoje US$ 8 bilhões em divisas, das quais boa parte em ouro. A criação do bolívar soberano representou uma queima inútil de US$ 500 milhões. Segundo o economista Jesús Casique, da consultoria Capital Market Finance, foi isso o que custou a impressão dos novos bolívares soberanos. Mas, como a mudança da moeda não veio acompanhada de medidas para equilibrar as contas, a hiperinflação continuou e o dinheiro perdeu o valor instantaneamente. É um caso de reincidência, como acontecia antes no Brasil.
A Venezuela não consegue mais rolar sua dívida nem obter receitas com exportações. Desde o final de 2015, o BCV não divulga estatísticas. Consultores em Caracas fazem cálculos e os fornecem para seus clientes. Um deles, Efraín Velázquez, afirma que faltam US$ 30 bilhões ao ano para o país se financiar. Guaidó tem negociado um empréstimo de US$ 80 bilhões com o FMI, para depois da queda de Maduro. A cada dia, aumenta o contraste entre a asfixia do regime e o alívio prometido pela comunidade internacional para o pós-chavismo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.