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Em visita ao Marrocos, papa defende 'a liberdade de consciência'

O assunto permanece sensível no Marrocos. Em junho passado, o ministro marroquino dos Direitos Humanos, o islamita Mustapha Ramid, estimou que a liberdade de consciência era 'uma ameaça'

Agência France-Presse
postado em 30/03/2019 15:08
Papa no Marrocos
Rabat, Marrocos - O papa Francisco iniciou, neste sábado (30/3), uma breve visita ao Marrocos, defendendo "a liberdade de consciência" diante de milhares de marroquinos e o rei Mohammed VI, "comandante dos fiéis", que defende um "Islã moderado".

"A liberdade de consciência e a liberdade religiosa - que não se limitam apenas à liberdade de culto, mas que devem permitir que todos possam viver de acordo com suas próprias crenças religiosas - estão inseparavelmente ligadas à dignidade humana", disse o pontífice, chamando os crentes a "viverem como irmãos".

O assunto permanece sensível no Marrocos. Em junho passado, o ministro marroquino dos Direitos Humanos, o islamita Mustapha Ramid, estimou que a liberdade de consciência era "uma ameaça" à "coesão" do país.

O líder espiritual de 1,3 bilhão de católicos foi convidado pelo rei Mohammed VI para esta visita "destinada a favorecer o desenvolvimento do diálogo interreligioso", segundo as autoridades marroquinas. Um tema prioritário para o papa, mesmo que os escândalos sexuais da Igreja concentrem as atenções.

Para a visita do pontífice, edifícios foram pintados, ruas pavimentadas, gramados bem cuidados.

"Dia excepcional"

O rei recebeu o papa no desembarque de seu voo, com tâmaras e leite de amêndoa, como dita a tradição.

Antes de chegar, sob aplausos, a uma grande esplanada de Rabat cercada por uma mesquita e um mausoléu, para proferir seus discursos, eles percorreram vários quilômetros em procissões perfeitamente paralelas. O papa em papamóvel protegido da chuva, o rei em uma limusine conversível.

"Este dia é excepcional", disse Mohammed VI à multidão. O monarca de 55 anos enfatizou que "a união de todos os marroquinos" é "materializada por mesquitas, igrejas e sinagogas que sempre estiveram juntas".

"Eu protejo os judeus marroquinos e cristãos de outros países que vivem no Marrocos", garantiu Mohammed VI.

"Os radicais, religiosos ou não, se baseiam no não reconhecimento do outro, na ignorância do outro, na ignorância", disse ele. "O que todos os terroristas têm em comum não é religião, é precisamente a ignorância da religião. É tempo de a religião não ser mais um álibi para esses ignorantes, para essa ignorância, para essa intolerância".

Os dois líderes também aproveitaram a ocasião para lançar um apelo "à proteção" de Jerusalém, como "patrimônio comum das três religiões monoteístas", em um texto assinado por ambos.

"Acreditamos ser importante preservar a Cidade Santa de Jerusalém/Al Qods Asharuf como patrimônio comum da Humanidade e, sobretudo, para os fiéis das três religiões monoteístas".

O rei do Marrocos é presidente do "Comitê Al-Qods" (Jerusalém em árabe), da Organização para a Cooperação Islâmica.

"Jerusalém deve permanecer como um local de encontro, símbolo da coexistência pacífica, onde se cultivam o respeito recíproco e o diálogo", pedem o papa e o rei.

Depois de uma reunião privada com Mohammed VI no palácio real, o papa visitará o Instituto de Formação de Imãs, que recebe marroquinos, mas também estrangeiros de uma dúzia de países. São 1.300 estudantes, homens e mulheres, a cursar estudos de dois ou três anos neste estabelecimento, exemplo do "islamismo moderado" defendido pelo rei.

É a primeira vez que um papa será recebido em um instituto de formação de imãs.

Antes desta visita, o papa manifestou o seu prazer em visitar este centro, que visa "fornecer formação adequada e saudável contra todas as formas de extremismo, que muitas vezes levam à violência e ao terrorismo e que, em qualquer caso, constituem uma ofensa à religião e ao próprio Deus".

A este respeito, "é necessária uma preparação adequada dos futuros líderes religiosos, se quisermos reviver o verdadeiro significado religioso nos corações das novas gerações", acrescentou.

No domingo, está programada uma missa em um complexo esportivo, algo que não se via desde a visita de João Paulo II em 1985, já que 99% da população é muçulmana sunita.

Como aconteceu durante sua viagem em janeiro aos Emirados Árabes Unidos, o papa se reunirá com os principais líderes religiosos muçulmanos, e visitará o mausoléu de Mohamed V - gestos a favor da tolerância religiosa.

Nesse mesmo dia, ele se reúne com migrantes na sede da Caritas de Rabat, onde pronunciará um importante discurso.

Com essa viagem, segundo o Vaticano, o papa deseja dar esperança às minorias cristãs e aos muçulmanos convertidos, que pedem para desfrutar plenamente da liberdade de religião consagrada na Constituição marroquina.

Diferentemente dos Emirados Árabes, o código penal marroquino não prevê pena de morte para os apóstatas do Islã e a regra em geral "é a discrição", explicou um religioso de Rabat.

A conversão voluntária não é um crime, mas fazer proselitismo ("abalar a fé de um muçulmano e querer convertê-lo a outra religião") pode custar até três anos de prisão.

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