Agência Estado
postado em 18/04/2019 05:00
O único ex-presidente do Peru que não havia passado pela cadeia por corrupção preferiu se matar com um tiro na cabeça a ser preso. Ao receber policiais com um mandado de prisão temporária em sua casa em Lima, Alan García, que governou o país duas vezes e era acusado de receber propina da construtora Odebrecht, trancou-se num quarto e disparou. Ele morreu no hospital.
Analistas acreditam que a morte do ex-presidente, figura icônica da Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra) - última legenda tradicional relevante no país -, deve ter pelo menos duas consequências. A primeira, o acirramento da polarização entre o Executivo, chefiado pelo presidente Martín Vizcarra, e o Legislativo, liderado pelos fujimoristas e pela Apra.
Diante de tanta instabilidade, reforçada pela renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, em 2018, as eleições de 2021 se tornam cada vez mais imprevisíveis, com caminho aberto para candidatos de fora da política tradicional. "A oposição insiste que as investigações da Odebrecht são manejadas politicamente, principalmente pelo Ministério Público e pelo governo.
O Executivo, por sua vez, aposta na agenda anticorrupção por sua popularidade", explicou ao jornal O Estado de S. Paulo o cientista político Arturo Maldonado. "Esse confronto, aliado com a descrença da sociedade nos dois poderes, pode abrir caminho para um aventureiro nas próximas eleições."
Alan García governou o Peru em duas ocasiões. Excelente orador e militante histórico da Apra, ficou conhecido como camaleão ao trafegar pelos dois extremos do espectro durante a carreira. No primeiro mandato, entre 1985 e 1990, fez um governo à esquerda, prometendo justiça social e respeito aos direitos humanos. Ameaçou nacionalizar bancos, mas não resistiu à crise econômica que varreu a região.
García entregou o cargo com a popularidade baixa, uma hiperinflação de 10.000% ao mês e denúncias de execuções contra guerrilheiros. Na década seguinte, deixou o Peru com medo de ser preso em razão de denúncias de corrupção e só retornou quando os crimes prescreveram.
Ele voltou ao poder em 2006, repaginado como um centrista pró-mercado. No auge do boom das commodities, base da economia peruana, fechou acordos com empreiteiras brasileiras, entre elas a Odebrecht. Com o início da Operação Lava Jato, alguns desses negócios tornaram-se alvo de procuradores no Brasil e no Peru.
As suspeitas começaram quando García disse a procuradores peruanos que havia se reunido apenas uma vez com Marcelo Odebrecht. Havia registro, no entanto, de cinco reuniões entre eles. O Ministério Público peruano então abriu duas frentes de investigação.
A primeira, envolvia doações ilegais de campanha feitas pela Odebrecht, em 2006, no valor de US$ 200 mil. A segunda diz respeito a contratos superfaturados para a construção do metrô de Lima. Também é investigada uma palestra que o ex-presidente fez em 2012 na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), pela qual recebeu US$ 100 mil.
García estava proibido de deixar o Peru desde novembro, quando solicitou asilo ao presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, alegando perseguição política. O pedido foi negado.
No Peru, a Odebrecht disse que pagou US$ 29 milhões entre 2005 e 2014. O caso atingiu também os ex-presidentes p Alejandro Toledo (2001-2006), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018). Todos tiveram pedidos de prisão emitidos pela Justiça.
Pressão
A empreiteira diz ter "aprendido com seus erros e estar colaborando com as autoridades nos países em que é citada". Foi o segundo caso de morte ligada à Lava Jato na América Latina. No ano passado, Rafael Merchán, testemunha do caso na Colômbia, morreu envenenado com cianureto. A investigação apontou suicídio. (Com AP)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.