Mundo

Brexit derruba May

Em lágrimas, primeira-ministra anuncia saída do poder em 7 de junho após fracassar em acordo sobre divórcio da União Europeia. Ex-chanceler Boris Johnson é o favorito para assumir o cargo de premiê. Trabalhistas vêem renúncia como correta

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 25/05/2019 04:07
Theresa May revela a decisão de abandonar o cargo, em pronunciamento emotivo: incapacidade de convencer o Parlamento a levar divórcio adiante


O choro denunciava a frustração de uma líder que fracassou em transformar a vontade popular em realidade. Depois de amargar 36 demissões em seu gabinete e de sofrer três derrotas no Parlamento ; resistente em aprovar o acordo de separação entre Reino Unido e União Europeia (UE) ;, a primeira-ministra britânica, Theresa May, anunciou que deixará o cargo em 7 de junho. ;Fiz o que podia para convencer os parlamentares a apoiarem o acordo. Infelizmente, não fui capaz de fazê-lo. Tentei por três vezes;, declarou. ;Acredito que era correto perseverar, inclusive quando as possibilidades de fracassar pareciam elevadas, mas agora me parece claro que é do melhor interesse do país que um novo primeiro-ministro lidere este esforço. (;) Hoje, anuncio que renunciarei como líder do Partido Conservador e do Partido Unionista na sexta-feira, 7 de junho, para que um sucessor possa ser escolhido. Em breve, deixarei o cargo ao qual tem sido a honra de minha vida servir;, acrescentou a segunda chefe de governo derrubada pelo Brexit. May sugeriu que o próximo premiê construa um consenso com o Parlamento.

Se o divórcio do bloco estava no limbo, a renúncia de May lança ainda mais incerteza sobre o processo e fortalece a possibilidade de um ;Brexit duro;, sem acordo. Jeremy Corbyn, líder do opositor Partido Trabalhista, admitiu que ela está correta em renunciar. ;May agora aceitou o que o país sabe há meses: ela não pode governar, nem seu partido dividido e em desintegração. Quem quer que seja o novo líder do Tory (Partido Conservador), deve deixar o povo decidir o futuro da nação, por meio de imediatas eleições gerais;, afirmou por meio do Twitter. Nigel Farage, chefe do Partido do Brexit, considerou que May ;avaliou politicamente mal o humor do seu país e de seu partido;.

O processo sucessório deve começar em 10 de junho, na semana posterior à oficialização da saída da premiê. O Partido Conservador deverá receber as candidaturas, as quais serão submetidas a uma espécie de ;funil;, por meio de suscessivas votações, até que restem somente dois contendores.

Andrew Blick, diretor do Departamento de História e Política do King;s College London, admitiu ao Correio que o ex-ministro das Relações Exteriores Boris Johnson é favorito a liderar os conservadores e a nação. ;Ele se apresentou como apoiador de um ;Brexit duro; e garantirá a sua eleição com base nessa proposta. No entanto, não está claro o que significa o ;Brexit duro;; e ele não é um político conhecido pela consistência ou pela atenção aos detalhes. Estamos entrando em um território muito obscuro;, afirmou. Ao participar de uma conferência econômica na Suíça, Johnson avisou: ;Vamos deixar a União Europeia em 31 de outubro, com acordo ou sem acordo;, avisou.

Referendo
Blick sustenta que existe um forte argumento para um segundo referendo sobre o Brexit. ;A opinião pública não compreendia o que era o processo de divórcio quando votou pela primeira vez;, disse. ;Eu suspeito que o Brexit e suas consequências políticas e econômicas estarão conosco por vários anos.; O especialista do King;s College London prevê que May está prestes a sofrer um desastre iminente nas eleições para o Parlamento Europeu.

Professor de inteligência e segurança nacional pela Universidade de Leicester (Reino Unido), Rob Dover afirmou não ver outra solução exceto um Brexit sem acordo. ;Boris Johnson ou outro novo premiê poderá empurrar um ;não acordo; usando poderes executivos. Além disso, a União Europeia não mais considera o Reino Unido um parceiro comercial confiável;, comentou. Segundo ele, um segundo referendo somente seria válido se propor a escolha entre um Brexit sem acordo e a permanência no bloco. ;O próximo primeiro-ministro pode bater o recorde de tempo mais curto no gabinete. Não há boas respostas ou soluções neste momento, e os dois principais partidos podem entrar em colapso por causa do Brexit. Os conservadores apenas sobreviverão caso se tornem um partido pró-Brexit, abandonando os moderados e os adeptos de permanência no bloco e aderindo aos democratas liberais ou ao novo partido Change UK. Os trabalhistas, por sua vez, parecem muito confusos sobre o divórcio.

Para Dover, Boris Johnson é ;completamente inadequado; para o cargo de primeiro-ministro. ;Se ele não ficar entre os dois candidatos restantes, então o novo premiê será (o ex-empresário) Jeremy Hunt ou (o ex-advogado Dominic Raab), influente na ala conservadora;, previu.


O mais cotado à sucessão


O ex-prefeito de Londres Boris Johnson é considerado o favorito a suceder May, de acordo com as casas de apostas britânicas. Carismático, popular e politicamente hábil, ;Bojo;, 54 anos, foi um dos artífices da
vitória do Brexit no referendo de 2016. O ex-chanceler goza de popularidade entre as bases conservadoras e divide opiniões dentro do próprio partido, criticado por gafes e por certa superficialidade.


A carta de renúncia

;Eu negociei os termos de nossa saída (da União Europeia) e uma nova relação com nossos vizinhos mais próximos que protegesse empregos,
nossa segurança e nossa União.;

;Fiz tudo o que podia para convencer os parlamentares a apoiarem o acordo. Infelizmente, não fui capaz de fazê-lo. Tentei por três vezes.;

;Eu acredito que foi certo perseverar, mesmo quando as chances contra o sucesso pareciam altas.;

;Está agora claro, para mim, que é dos melhores interesses do país que um novo primeiro-ministro lidere esse esforço.;

;Hoje, anuncio que renunciarei como líder do Partido Conservador e do Partido Unionista na sexta-feira, 7 de junho, para que um sucessor possa ser escolhido.;

;Em breve deixarei o cargo ao qual tem sido a honra de minha vida servir. A segunda mulher premiê, mas certamente não a última.;

;Faço isso sem má vontade, mas com imensa e duradoura gratidão pela oportunidade que tive de servir ao país que amo.;


Irlanda e República Tcheca votam para o Parlamento Europeu


No segundo dias das eleições europeias, a Irlanda e a República Tcheca foram às urnas. A primeira depois de uma campanha dominada pelo Brexit e pelo anúncio da renúncia de Theresa May; a segunda sob o espectro do movimento populista do premiê, Andrej Babis. Para muitos, o alívio está no fato de que o avanço das forças nacionalistas e de extrema direita não deverá ocorrer como o projetado. Na Holanda, a boca de urna indica vitória dos socialistas. Durante quatro dias de votações, mais de 400 milhões de eleitores estão registrados para comparecer às urnas em 28 países e designar 751 representantes. Reino Unido e Holanda iniciaram o processo na quinta-feira, mas a maioria dos países organizará o pleito amanhã. Na República da Irlanda, os partidos fizeram campanha para reforçar o espaço do país no projeto europeu, buscando atenuar as consequências da saída da Grã-Bretanha. O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar (foto), afirmou temer que a renúncia de May leve o processo do Brexit a uma fase ;muito perigosa; para a Irlanda. O temor envolve o retorno da fronteira física com a Irlanda do Norte.


Pontos de vista

Por Rob Dover


O golpe de
misericórdia

;May sobreviveu tempo demais. Nenhum outro primeiro-ministro da era moderna poderia ter sofrido 36 renúncias em seu gabinete e sobrevivido. A sentença de morte da premiê veio com a renúncia da líder da Câmara dos Comuns, Andrea Leadsom, responsável pela quarta tentativa de um acordo de saída da União Europeia. A ótica de perder uma aliada que forjava uma lei para o Brexit é horrível. A carta de demissão de Leadsom foi entregue pelas redes sociais. Foi um ato desenhado para derrubar a primeira-ministra. No entanto, estava claro que ela não conseguiria um acordo de retirada, mesmo na quarta tentativa.;
Professor de inteligência e segurança nacional pela Universidade de Leicester (Reino Unido)


Por Andrew Blick


Um acordo
impossível


;Um problema para May foi que ela levantou expectativas sobre o tipo de acordo que poderia ser obtido e que jamais seria cumprido. Em seguida, convocou eleições gerais para junho de 2017, na esperança de ajudar parlamentares com problemas, mas perdeu maioria na Câmara dos Comuns. A legenda que deveria apoiar os conservadores, o Partido Democrático Unionista, considerou inaceitáveis os aspectos do acordo de saída da Irlanda do Norte.;


Diretor do Departamento de História e Política do King;s College London


Repercussão

Conformismo na Europa


A chanceler da Alemanha, Angela Merkel (foto), prometeu trabalhar em prol de um ;Brexit ordenado;, depois do anúncio da renúncia de May. ;O governo federal (alemão) vai continuar, de qualquer maneira, por uma boa relação de parceria com a Grã-Bretanha, uma saída ordenada;, declarou, por meio de um curto vídeo, no qual expressou ;respeito; pela decisão da líder britânica. Por sua vez, o presidente francês, Emmanuel Macron, elogiou o ;trabalho corajoso; de May.

;Uma boa mulher;


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (foto), disse que se ;sente mal por Theresa; May. ;Eu gosto muito dela. Ela é uma boa mulher. Ela trabalhou muito duro, é muito forte;, afirmou. De acordo com o republicano, Theresa May ;decidiu fazer algo que algumas pessoas ficaram surpresas, algumas não, pelo bem do país;. ;Mas eu gosto muito dela;, comentou.

Por uma saída ordeira


Em Bruxelas, a percepção geral foi de que o Reino Unido deve escolher o caminho de uma retirada tranquila da União Europeia. ;Eu quero expressar meu total respeito por Theresa May e por sua determinação em trabalhar rumo a uma saída ordeira do Reino Unido. Da nossa parte, trabalharíamos exatamente nessa direção nas próximas semanas e meses;, declarou o negociador-chefe da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier (foto). Por sua vez, a Comissão Europeia prometeu ;respeitar; o novo premiê e assegurou que ;nada vai mudar sobre a posição tomada pelo Conselho Europeu para o acordo de saída;.

Herança maldita


Theresa May ;herdou; o Brexit depois da renúncia do premiê David Cameron (foto), que convocou o referendo sobre o divórcio da União Europeia e viu os britânicos apoiarem a causa. Ontem, Cameron divulgou comunicado sobre a saída da sucessora. ;Forte e corajoso discurso de uma primeira-ministra movida pelo dever e pelo serviço. (;) Eu sei quão doloroso é aceitar que sua hora chegou e que se exige um novo líder. Ela tomou a decisão correta ; e eu espero que o espírito de compromisso persista;, declarou.


Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação