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O avatar vai comigo

Comportamentos e decisões experimentados em situações de realidade aumentada podem ser repassados para a vida real, mostra experimento americano com 218 voluntários. Estudo também sinaliza possíveis impactos dessa tecnologia nas relações sociais

Correio Braziliense
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postado em 25/05/2019 04:08
Testes mostram que usuários podem  se comportar como se estivessem convivendo com cibercorpos e também desvalorizar os contatos reais

A interação com os avatares não se limita ao momento em que os apreciadores dessa tecnologia tiram os óculos de realidade aumentada. Pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, mostram, em experimentos com 218 voluntários, que é possível transpor comportamentos e escolhas para a vida real. Tanto os empáticos quanto os não tão acolhedores, como desdenhar de um bate-papo com um conhecido.

;Descobrimos que o uso de tecnologia de realidade aumentada pode mudar onde você anda, como vira a cabeça, como você se sai bem em tarefas e como se conecta socialmente com outras pessoas físicas;, ilustra Jeremy Bailenson, professor de comunicação da Faculdade de Ciências Humanas e Ciências da universidade americana e coautor do estudo, divulgado na revista PLOS ONE. O autor conta que os resultados são similares aos de pesquisas anteriores conduzidas por ele, mas que tinham como foco a realidade virtual (RV).

Segundo o cientista, nos últimos anos, muitas empresas de tecnologia têm investido menos em RV e se concentrado no desenvolvimento de produtos em realidade aumentada (AR). Mais comuns, os óculos com AR permitem, em tempo real, projetar uma versão realística em três dimensões de uma pessoa no ambiente físico em que está o usuário.Tamanha riqueza de detalhes pode afetar o comportamento de indivíduos tanto no mundo físico quanto no digital, mostra a pesquisa americana.

Três experimentos sociais conduzidos por Jeremy Bailenson e os colegas ; os alunos de pós-graduação Mark Roman Miller, Hanseul Jun e Fernanda Herrera, que são os autores principais do artigo divulgado na revista científica ;, mostram os efeitos da experiência para além do contato com cibercorpos. Nos dois primeiros, cada participante interagia com um avatar virtual chamado Chris, que se sentava em uma cadeira real ao lado do usuário dos óculos. A partir daí, a situação se dividia em dois contextos distintos.

Em um dos testes, foi replicado um tradicional experimento psicológico conhecido como inibição social. Nele, espera-se que, no mundo real, as pessoas realizem tarefas simples com facilidade e se dediquem às complexas quando são observadas por alguém. A presença do avatar não mudou o comportamento dos participantes, segundo os pesquisadores. Os voluntários completaram anagramas fáceis com rapidez e tiveram um desempenho ruim nos desafios complexos quando Chris estava dentro do campo de visão da situação em realidade aumentada.

No segundo estudo, os cientistas avaliaram se os participantes corresponderiam aos sinais sociais ao interagir com Chris. Para isso, emparelharam duas cadeiras e avaliaram onde o voluntário se sentaria: na que era ;ocupada; pelo avatar ou no móvel ao lado. Quando viam o avatar, usando os óculos de realidade aumentada, todos se sentaram ao lado dele. Sem o dispositivo, 72% continuaram a escolher ;não se sentar; em cima do avatar.

Para Jeremy Bailenson, o resultado mostra como o conteúdo de realidade aumentada se integra ao espaço físico, afetando a maneira como as pessoas interagem com ele. ;O fato de que nenhum dos sujeitos com os óculos tomou o assento onde o avatar estava foi uma surpresa (;) Para nós, a presença de conteúdo AR também parece se prolongar depois que os óculos são retirados.;

Conexões abaladas
Nó último experimento, a equipe buscou avaliar como a AR pode afetar a conexão social entre duas pessoas que estão conversando, enquanto uma delas usa um óculos de realidade virtual. A partir dos relatos dos voluntários, os cientistas concluíram que aqueles que estavam com o dispositivo se sentiram menos conectados socialmente ao parceiro de bate-papo.

Segundo Jeremy Bailenson, estudos adicionais ajudarão ele e a equipe a examinar mais detalhadamente os efeitos da realidade aumentada sobre os indivíduos. ;Esse trabalho arranha a superfície dos custos e benefícios psicossociais do uso da AR, mas muita pesquisa é necessária para entender os efeitos dessa tecnologia à medida que ela aumenta;, ressalta.

Ainda assim, o cientista cogita aplicabilidades para os estudos sobre as influências da realidade aumentada. Segundo ele, o recurso tem potencial, por exemplo, para permitir que pessoas em diferentes partes do mundo façam contato visual e se comuniquem de forma não verbal ; um cenário que as atuais videoconferências se esforçam para alcançar.

;A realidade aumentada poderia ajudar a combater a crise climática, ao permitir reuniões virtuais realistas, o que evitaria a necessidade de as pessoas se deslocarem para encontros presenciais;, ilustra o pesquisador. ;Nossa pesquisa pode ajudar também a chamar a atenção para os possíveis efeitos sociais negativos do uso da AR em larga escala, para que a tecnologia possa ser projetada de forma que se evite esses problemas;, complementa.


"Descobrimos que o uso de tecnologia de realidade aumentada pode mudar onde você anda, como vira a cabeça, como você se sai bem em tarefas e como se conecta socialmente com outras pessoas físicas;
Jeremy Bailenson, professor da Universidade de Stanford e coautor do estudo




Efeitos distintos
A realidade virtual e a realidade aumentada são tecnologias presentes em eletrônicos diversos, com características e objetivos diferentes. A primeira leva o usuário a um novo ambiente criado por computador. Já a segunda inclui projeções de conteúdos e informações complementares no mundo real.




Chance de reencontros

Pesquisadores da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, testam o uso de ferramentas de realidade aumentada para investigar a consciência espacial auditiva em situações cotidianas. A expectativa da equipe é de que essas tecnologias resultem em melhores aparelhos auditivos, diagnósticos mais precisos de distúrbios auditivos e videogames que possibilitem experiências sonoras mais ricas aos jogadores.

G. Christopher Stecker, professor-associado de ciências da audição e da fala da universidade e um dos pesquisadores envolvidos no projeto, também cogita influência sobre as relações sociais, com a criação, inclusive, de versões virtuais realistas de pessoas distantes ou mortas.;Considere uma conversa com sua avó. Esse tipo de tecnologia poderá fazer com que pareça e soe como se ela estivesse sentada no sofá, na sua frente. Para conseguir isso do lado do som, precisaremos fazer a acústica dessa simulação indistinguível do mundo real;, ilustra, em comunicado.





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