postado em 08/06/2019 04:06
Nova aposta paraa integração
Surpreendeu a quem acompanha o desenrolar dos movimentos no processo de integração sul-americano a ideia, mencionada em Buenos Aires pelo presidente Jair Bolsonaro, de estabelecer uma moeda única entre Brasil e Argentina. Tanto mais quando a menção chegou precedida por manifestações explícitas do presidente brasileiro sobre os rumos da eleição presidencial de outubro no país vizinho. Novamente, durante a visita ao principal parceiro político e econômico do país, Bolsonaro colocou as relações bilaterais no âmbito das afinidades entre governos. Entre a reeleição de Mauricio Macri, amigo e parceiro político, e a possibilidade do retorno de Cristina Kirchner, aliada de Lula e Dilma, o capitão não tem dúvidas sobre o partido a tomar.
O anúncio intempestivo sobre a moeda comum, por sinal, causou menos sensação pela perspectiva imediata de que venha a ter consequências práticas do que pela sinalização quanto ao rumo pretendido para a condução do Mercosul. Bolsonaro e Macri falaram sobre o acordo comercial do bloco sul-americano com a União Europeia, novela mexicana que se arrasta desde os anos FHC. Quando faltam ainda difíceis acertos para viabilizar por aqui ao menos uma tarifa alfandegária comum, a ideia de criar o ;peso real; foi recebida de início como o tipo de proclamação que deixa os parceiros reais e potenciais em dúvida quanto à seriedade do lado sul-americano.
Fantasma bolivariano
É nesse contexto que repercutem, ainda, as declarações do presidente brasileiro sobre a eleição presidencial de outubro, quando o governante argentino tentará o segundo mandato. Por mais de uma vez, Bolsonaro tinha mencionado o ;risco; de o vizinho estratégico para o Brasil tornar-se ;outra Venezuela;, caso os eleitores escolham Cristina para retornar ao governo ; ainda que como vice-presidente na chapa peronista. Durante a visita a Buenos Aires, o capitão voltou ao tema, embora sem mencionar nomes, a não ser o do vizinho bolivariano, para reiterar o aviso sobre os ;perigos; de ter ;mais Venezuelas; no continente.
A imagem do país de Hugo Chávez como fantasma ou bicho-papão a ser temido, ou ao menos um destino a ser evitado, vem desde a primeira eleição de Lula, em 2002. No presente, com governos de direita dando as cartas na região, a assombração bolivariana deixa de ser o ;perigo; das últimas duas décadas. Excluída do Mercosul e com a Unasul esperando apenas o atestado de óbito, a Venezuela figura apenas como peça de propaganda para os governantes que colocam em prática a nova orientação geral para a América do Sul, baseada na rejeição às experiências das primeiras décadas do século para incorportar ao modelo econômico uma dose de compromisso social, aliado à orientação nacional-desenvolvimentista.
Transatlântico
Nos encontros que mantiveram em Buenos Aires, Macri e Bolsonaro reafirmaram o empenho em fechar ;nas próximas semanas; o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, mas faltou combinar com os parceiros da margem oposta do Atlântico. Dirigentes de Bruxelas investiram pesado na conclusão do pacto, no segundo semestre de 2018, de olho especialmente na imprevisível eleição presidencial brasileira. Sabiam que o futuro se anunciava por demais incerto, de ambos os lados.
Por agora, mais até do que as definições algo erráticas da diplomacia brasileira, é o momento de transição na Europa que parece complicar o avanço nas conversações, ainda que os governantes sul-americanos sustentem que faltam ;apenas detalhes; para completar o processo, que se arrasta há pelo menos duas décadas. O Velho Mundo acaba de eleger a nova legislatura do parlamento continental, com resultados que confirmam uma tendência afirmada e reafirmada, nos últimos anos, nos principais países-membros: a fragmentação política e o réquiem para as forças políticas tradicionais construídas ao longo do século 20.
Nesse quadro, e depois de terem complicado o andamento do processo nos últimos anos, com as próprias indefinições e instabilidades, é a vez de os países do sul exercitarem a paciência até que o outro lado se recomponha. Nos próximos meses, o empenho na margem oposta será de recompor a Comissão Europeia, assimilar o novo espaço conquistado por ecologistas e ultranacionalistas e negociar um novo comando, já que as forças tradicionais de centro-direita e centro-esquerda perderam a maioria com a qual administraram o bloco nas últimas décadas.