postado em 13/06/2019 12:20
Com um enorme potencial de investimentos e de oportunidades comerciais, o Marrocos é uma das portas para um mercado de 1,2 bilhão de africanos. Para oferecer passagem ao Brasil e intensificar a cooperação bilateral ; que completou 197 anos ;, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional do Marrocos, Nasser Bourita, desembarcou ontem à noite em Brasília para uma visita oficial de menos de 24 horas. Na agenda, estão previstas para hoje reuniões com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo; e com os presidentes Davi Alcolumbre (Senado) e Rodrigo Maia (Câmara dos Deputados). Em entrevista exclusiva ao Correio, Bourita afirmou que sua vinda ao Brasil busca diversificar parcerias internacionais com Rabat, além de reforçar a abertura a áreas geopolíticas emergentes, como a América Latina. ;O Brasil é o terceiro maior cliente do Marrocos, que está entre os principais parceiros econômicos do Brasil nos níveis árabe e africano;, afirmou o chefe da diplomacia marroquina. O chanceler abordou ainda a recente visita do papa Francisco a Rabat, em março passado, e destacou que o rei Mohammed VI é o protetor do livre exercício dos cultos das três religiões monoteístas. A questão da imigração também deve ser debatida com as autoridades brasileiras. De acordo com o ministro, o rei lançou uma política migratória, em 2013, calcada em três princípios: responsabilidade, solidariedade e concertação. A vinda de Bourita ao Brasil ocorre após a visita do premiê, Saadedini El-Othmani, à posse do presidente Jair Bolsonaro. Na reunião com Ernesto Araújo, ele debaterá temas da agenda regional e internacional, além da amplicação e diversificação de fluxos bilaterais de comércio e investimentos e do fortalecimento da parceria bilaterial.
Qual é o propósito de sua visita ao Brasil?
A minha visita faz parte de uma turnê pela América Latina, área geopolítica que passa por mudanças profundas e cujos países estão interagindo com muito protagonismo, com a globalização em todas as suas formas. Minha vinda ao Brasil segue a visão de Sua Majestade o Rei Mohammed VI para a diversificação das parcerias internacionais e para o reforço da abertura ante áreas geopolíticas emergentes, das quais a América Latina é um dos principais atores. Marrocos consolidou as suas relações com parceiros históricos ; EUA, França e Espanha. Ao mesmo tempo, se empenhou em desenvolver parcerias privilegiadas com os Brics, por ocasião das visitas da Sua Majestade à China, à Rússia e à Índia. O Marrocos tem a ambição de erguer suas relações com o Brasil no mesmo patamar. A profundidade histórica e a qualidade das relações entre Marrocos e Brasil nos predispõem a desenhar uma parceria ainda mais ambiciosa e adaptada às oportunidades e às exigências do século 21.
Como o senhor avalia a cooperação bilateral entre Marrocos e Brasil?
O Marrocos está tão satisfeito com o nível alcançado nas suas relações com o Brasil, e ambicioso para o fortalecimento dessas relações. A relação é serena, constante e sólida. A visita de Estado de Sua Majestade o Rei, em 2004, deu forte impulso às relações. O Brasil é o terceiro maior cliente do Marrocos, que está entre os principais parceiros econômicos do Brasil nos níveis árabe e africano. A companhia aérea Royal Air Maroc é um grande sucesso comercial. As consultas políticas entre as chancelarias estão plenamente operacionais. O turismo está crescendo bastante nos dois sentidos. O marco jurídico bilateral se diversifica. A cultura marroquina goza de boa imagem junto aos criadores de moda, arquitetos e outros atores culturais. No entanto, a ambição do Marrocos é bem maior. As nossas relações devem evoluir de uma profundidade histórica para uma parceria concreta, adaptada ao século 21. Os dois governos vão trabalhar juntos para atualizar a agenda, adaptar os instrumentos e ampliar a cooperação para se transformar em parceria multiatores e multissetores. Este é o propósito da minha visita.
O Marrocos é uma nação com 99% de muçulmanos, mas segue um islã moderado. Como vê a abertura a outras religiões, especialmente depois da visita recente do papa Francisco a Rabat?
Em primeiro lugar, devo ponderar ao afirmar que o Marrocos não está se abrindo a outras religiões. Não é um fenômeno de moda: o islã, o cristianismo e o judaísmo sempre coexistiram em total paz e harmonia e durante séculos. A Commanderie des Croyants (;Chefia dos Crentes;) é o garante dessa especificidade marroquina. É uma instituição única, que faz do Rei de Marrocos o protetor do livre exercício dos cultos das três religiões monoteístas. É por isso que igrejas, mesquitas e sinagogas sempre coexistiram nas cidades marroquinas. O Marrocos é um dos raros países cuja Constituição consagra esses diferentes componentes da identidade marroquina. A recente visita do papa Francisco foi um encontro entre duas autoridades religiosas, Sua Majestade Mohammed VI, Amir Al Moumimine, e o papa. Daí o simbolismo e o interesse que despertou no mundo inteiro esse encontro. A visita ocorreu em um contexto particular, marcado pelo recuo de identidades, pela rejeição do outro e pela vulnerabilidade da convivência. A mensagem da Sua Majestade o Rei e do papa foi um apelo à abertura e ao conhecimento mútuo, como base para uma verdadeira coabitação entre religiões. Muitos fatos marcaram a visita. Gostaria de mencionar o Apelo de Jerusalém, assinado por Sua Majestade o Rei e o papa Francisco, documento único na história, que apela à preservação de Jerusalém como espaço aberto aos seguidores das três religiões monoteístas.
Quais esforços têm sido feitos pelo Marrocos para acolher os imigrantes?
A migração é um fenômeno humano natural, que sempre existiu e sempre existirá. Mas também é um fenômeno que, além da dimensão humana, envolve questões de segurança, políticas e socioeconômicas. Esses últimos anos, ela passou por mudanças estruturais; hoje, é muito mais um fenômeno Sul-Sul do que Sul-Norte. Já não tem pertinência nenhuma a categorização clássica entre países de origem, de trânsito e de destino. Afeta cada vez mais os grupos vulneráveis, as mulheres e os jovens. Foi neste contexto que Sua Majestade o Rei lançou uma nova política de migração em 2013, baseada em três princípios: responsabilidade, solidariedade e concertação. A responsabilidade se dá por meio de uma luta firme contra a migração irregular, as redes e o tráfico de seres humanos. A solidariedade, por meio de um espaço de integração para os migrantes legalmente estabelecidos, mediante o qual o Marrocos regularizou 60 mil migrantes. A concertação envolve interações permanentes com países vizinhos, já que nenhuma política de migração nacional poderia ser eficiente se não se encaixa numa ação regional. A experiência mostra claramente como são necessárias abordagens coordenadas para obter resultados eficazes.
;A ambição do Marrocos é bem maior. As nossas relações devem evoluir de uma profundidade histórica para uma parceria concreta, adaptada ao século 21;