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Morsy morre após audiência

Ex-presidente islamita passa mal e desmaia depois de prestar depoimento, é socorrido a um hospital, mas não resiste. O engenheiro, de 67 anos, estava preso desde julho de 2013, quando foi deposto do cargo

postado em 18/06/2019 04:09
Mohamed Morsy, em junho de 2015, durante um de seus julgamentos: três visitas em quase seis anos de prisão, segundo a Anistia Internacional

Ao ser eleito presidente do Egito, em junho de 2012, Mohamed Morsy se apresentou como o garantidor dos ideais democráticos da revolta que havia resultado, 16 meses antes, no fim de três décadas do regime de Hosni Mubarak, na esteira da Primavera Árabe. A lua de mel entre o engenheiro e os egípcios, porém, não durou. Em julho do ano seguinte, ele foi deposto pelo Exército e preso, alvo de inúmeras acusações que, em duas sentenças, lhe renderam uma pena de 45 anos de reclusão. Passados seis anos, ao depor em mais um julgamento, ontem, Morsy passou mal e morreu, no Cairo.

;Ele falou diante do juiz por 20 minutos, então, se exaltou e desmaiou. Foi rapidamente levado para o hospital, onde morreu;, resumiu uma fonte judicial à agência de notícias France Presse. ;Não pudemos vê-lo no tribunal por causa do vidro blindado sem som. Mas outros detidos nos disseram que ele já não tinha pulso (antes de ser socorrido);, relatou o advogado Abdelmoneim Abdel Maksud, um dos defensores do ex-presidente islamita.

Aliado de Morsy, o presidente Turquia, Recep Tayyip Erdogan Erdogan, imediatamente prestou homenagem ao colega, a quem chamou de mártir. ;A história não esquecerá dos tiranos que o levaram à morte, prendendo-o e ameaçando executá-lo;, disse o líder turco, durante discurso em Istambul. O emir do Catar manifestou sua ;profunda tristeza; pela morte do ex-líder da Irmandade Muçulmana, a maior organização islamita do Egito.

Isolamento

As condições carcerárias de Morsy geravam polêmica. Desde o golpe sofrido no verão de 2013, ele estava na prisão de Borg al Arab, situada a oeste da cidade mediterrânea de Alexandria. Em fevereiro passado, a Anistia Internacional denunciou que o ex-presidente, ao longo dos últimos seis anos, havia recebido apenas três visitas.

Ao tomar conhecimento da morte de Morsy, o Partido da Liberdade e da Justiça, braço político da Irmandade Muçulmana, acusou as autoridades egípcias de ;lento assassinato; do preso. Na audiência de ontem, realizada na Academia da Polícia do Cairo, ele seria julgado por crime de espionagem. Anteriormente, foi condenado a 45 anos de prisão em dois casos: incitação à violência contra manifestantes contrários a seu governo no fim de 2012 e espionagem a favor do Catar.

Morsy foi o primeiro presidente civil do Egito em seis décadas. Eleito com uma vitória apertada ; obteve 51,73% dos votos ; , ele prometeu governar para ;todos os egípcios;. O modo de vida simples e afável do engenheiro, casado e pai de cinco filhos, de fato, agradou nos primeiros meses de sua Presidência.

Mas, rapidamente, ele incomodou boa parte da população, que o acusou de ser uma marionete da Irmandade, ajudando-a a monopolizar o poder e sendo incapaz de restaurar a segurança ou de recuperar uma economia duramente abalada. ;Ele era visto como o fantoche da Irmandade, colocando seus membros em cargos do governo, o que irritava a burocracia acima e a população;, comentou o cientista político Mustafa Kamel Al Sayid.

Os críticos acusaram o presidente de permitir que os integrantes da Irmandade Muçulmana ; que, por décadas, tinha operado na clandestinidade, perseguida pelo governo ; monopolizassem o cenário político. A elaboração de uma nova Constituição por uma Assembleia Constituinte dominada pelos islamistas aumentou a tensão política no país. Quando o texto foi aprovado, com forte caráter islâmico, a reação foi forte.

A crises se sucederam e, um ano depois da eleição, em 30 de junho de 2013, milhões de egípcios tomaram as ruas para exigir sua renúncia. Seu inimigo, Abdel Fatah al-Sisi, ex-chefe do Exército e atual presidente do Egito, aproveitou a situação para justificar a destituição de Morsy três dias depois e iniciar uma violenta repressão contra seus partidários.

Em poucos meses, centenas de manifestantes pró-Morsy foram mortos e outras centenas receberam condenações à morte, numa situação descrita pela ONU como ;sem precedentes na história recente;. Durante seus julgamentos, o ex-presidente apareceu no banco dos réus atrás de vidros blindados. Ele sempre se apresentou como vítima de um golpe de Estado militar.

"A história não esquecerá dos tiranos que o levaram à morte, prendendo-o e ameaçando executá-lo;
Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia


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