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ONU liga príncipe à morte de Khashoggi

Relatora especial para assassinatos extrajudiciais garante haver provas suficientes para incriminar Mohamed bin Salman, herdeiro do trono saudita, pela execução de jornalista do The Washington Post. Riad menospreza "acusações infundadas"

postado em 20/06/2019 04:17
Em 23 de outubro passado, exatamente três semanas depois do crime, o príncipe Mohamed bin Salman (D) recebeu no palácio um dos filhos de Khashoggi

O jornalista saudita Jamal Khashoggi, colunista do The Washington Post, foi vítima de uma execução premeditada e extrajudicial, pela qual a Arábia Saudita é a responsável. As conclusões são de um documento divulgado ontem por Agnes Callamard, relatora especial da Organização das Nações Unidas para assassinatos extrajudiciais, sumários ou arbitrários. ;Esta investigação demonstrou que há provas suficientes sobre a responsabilidade do príncipe herdeiro (Mohamed bin Salman) que justificam uma investigação suplementar;, afirmou a autora, no texto elaborado após seis meses de inquérito. O relatório lança luz sobre o que ocorreu no interior do consulado da Arábia Saudita em Istambul, em 2 de outubro passado, quando Khashoggi foi visto pela última vez com vida. O dossiê também expõe a transcrição de uma gravação, feita pelos serviços de inteligência turca, em que se revelam os diálogos antes e durante o assassinato e o esquartejamento do jornalista (veja o quadro). O corpo do colunista jamais foi encontrado.

De acordo com Callamard, a execução de Khashoggi foi ;resultado de um planejamento elaborado envolvendo extensiva coordenação e importantes recursos financeiros e humanos;. ;Foi (um crime) supervisionado, planejado e endossado por funcionários de alto nível; foi premeditado;, sustentou. A Turquia avalizou ;com força; as conclusões do documento, desqualificado pela Casa de Saud, a sede da monarquia saudita. ;Não tem nada de novo. O relatório repete o que já se disse e o que foi ;vendido; pelos meios de comunicação;, tuitou o vice-ministro das Relações Exteriores, Adel Al-Jubeir, ao apontar ;contradições e acusações infundadas, que colocam a credibilidade do inquérito independente em xeque;.

Além de citar as ;evidências críveis; de envolvimento de Mohamed bin Salman (MBS), o relatório de Callamard recomenda sanções contra Riad. ;O assassinato do senhor Khashoggi constitui crime internacional, sobre o qual os Estados deveriam clamar jurisdição universal. Eu apelo a esses Estados a tomarem as medidas necessárias para estabelecer sua competência a fim de exercer jurisdição, sob o direito internacional, sobre este crime de execução judicial;, escreveu a relatora. ;Levando em consideração as provas verificáveis sobre as responsabilidades do príncipe herdeiro em seu assassinato, estas sanções também deveriam incluir o príncipe herdeiro e seus bens pessoais no exterior.;


Controle total

Pesquisadora da Organização Europeia pelos Direitos Humanos na Arábia Saudita, Duaa Dhiny disse ao Correio não descartar uma ação direta do príncipe MBS na morte de Khashoggi. ;Qualquer um sabe na Arábia Saudita que todos os organismos e autoridades estão diretamente ligados ao rei e ao herdeiro. É improvável que um assassinato dentro do consulado saudita tenha ocorrido sem as ordens ou o mínimo conhecimento do príncipe;, opinou. ;Se a comunidade internacional deseja responsabilizar os autores desse crime, ela deve começar pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, do qual a Arábia Saudita faz parte; depois, precisa atacar negócios culturais e econômicos firmados com o governo de Riad.; Ela citou o Canadá como exemplo de país a se levantar contra as violações dos direitos humanos por parte da Arábia Saudita.

Para Dhiny, o assassinato de Khashoggi é a face mais clara das violações cometidas por Riad. ;A punição de dissidentes e de formadores de opinião na Arábia Saudita ocorre de várias formas. Há dois meses, uma execução em massa envolveu crianças e jovens, alguns deles acusados de participarem de protestos. Antes disso, o xeque Nimr Al-Nimr foi executado por ordem da Corte devido a suas posições de oposição. Clérigos reformistas também enfrentam o risco de execução.;

Tallha Abdulrazaq, especialista em Oriente Médio pelo Instituto de Segurança e Estratégia da Universidade de Exeter (Reino Unido), disse não ter dúvidas de que Khashoggi foi assassinado por agentes sauditas. ;Há uma clara ligação entre os mais altos conselheiros de MBS e os assassinos. Em um Estado autoritário, onde o controle se revela muito centralizado, é completamente implausível que o príncípe herdeiro não tivesse ideia do que esses agentes faziam;, afirmou ao Correio. Ele acredita que sanções não seriam consideradas palatáveis pelo Ocidente, principalmente pela ;enorme quantidade de dinheiro saudita e de acordos envolvendo armas e equipamentos;. ;Por motivos pragmáticos, nenhuma penalidade será aplicada;, previu. Abdulrazaq sublinha que, desde a ascensão de MBS ao poder, existe uma tendência sem precedentes do uso de força e de violência.


"Esta investigação demonstrou que há provas suficientes sobre a responsabilidade do príncipe herdeiro que justificam uma investigação suplementar;
Agn;s Callamard, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para execuções extrajudiciais


TUITADAS

;Jamal Khashoggi era o meu noivo. Os assassinos dele estão em liberdade;
Hatice Cengiz, noiva do jornalista saudita, que o aguardava na porta do consulado



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