A capitã do navio humanitário Sea-Watch, que rompeu ontem o cerco das autoridades marítimas italianas para desembarcar um grupo de 40 migrantes no porto de Lampedusa, três semanas depois de resgatá-los no litoral da Líbia, aguarda em prisão domiciliar, na Sicília, a audiência que dará início a um processo pelo qual pode pegar até 10 anos de prisão. O gesto de desafio de Carola Rackete, 31 anos, foi classificado como ;um ato criminoso, um ato de guerra; pelo ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, líder da extrema-direita anti-imigração. O incidente expôs as diferenças entre o governo de Roma e a Alemanha, que ressaltou a ;obrigação humanitária; de salvar vidas em risco e defendeu o resgate de refugiados no mar.
O Sea-Watch, de bandeira holandesa, estava sob bloqueio da Guarda Costeira italiana desde quarta-feira, quando a capitã tentou pela primeira vez forçar passagem, mas foi detida a uma milha do porto de Lampedusa. Na madrugada de ontem, depois do que descreveu como ;60 horas incrivelmente tensas; para os migrantes, ela arremeteu na direção de uma lancha que se interpunha. ;Ficamos na frente para impedir a entrada no porto, mas não adiantou. Se não saíssemos no caminho, (o Sea-Watch) teria destruído nossa lancha;, relatou um policial.
Pouco antes das 3h, Carola Rackete desembarcou escoltada por agentes, sem algemas, e foi levada para a delegacia. Ainda de manhã, foi colocada em prisão domiciliar ao menos até a audiência inicial, que deve ser realizada no prazo de 48 horas ; até a manhã de amanhã. Enquanto os imigrantes eram desembarcados e encaminhados para alojamentos, defensores do acolhimento dos refugiados se concentravam no porto para recebê-los e manifestar apoio à capitã no navio.
O advogado Leonardo Marino, que a representará no processo, agradeceu a solidariedade e afirmou que Carola, embora convencida de ter cumprido o dever, estava ;cansada e estressada;. O Sea-Watch, nome também da ONG à qual a capitã serve, havia resgatado no último dia 12 um grupo de migrantes que estavam à deriva no Mediterrâneo, em uma balsa inflável, perto da costa líbia. Desde então, buscava um porto europeu onde desembarcar os passageiros.
;As razões humanitárias não podem justificar atos inadmissíveis de violência contra aqueles que usam o uniforme no mar para a segurança de todos;, disse o promotor Luigi Patronaggio, de Agrigente (Sicília), que tem jurisdição sobre Lampedusa. Carola se apresentou ;calma; na delegacia, segundo policiais, e se desculpou pelos riscos a que sua manobra expôs a lancha da polícia. Ela deve ser acusada de tráfico ilegal de pessoas e desacato à autoridade, por ter ingressado sem permissão em águas italianas.
;Estamos orgulhosos da nossa capitã;, escreveu no Twitter o diretor da ONG, Johannes Bayer. ;Fez o que era necessário: insistiu no direito marítimo e colocou essas pessoas em um ambiente seguro.; Os migrantes, desembarcados por volta das 5h30, foram encaminhados a abrigos e devem ser distribuídos entre cinco países: França, Alemanha, Luxemburgo, Portugal e Finlândia.
O governo da Alemanha, que mantém posição favorável ao acolhimento de refugiados pela Europa e sustenta discordância frontal com a Itália e outros países governados pela ultradireita, pediu ;esclarecimentos rápidos; sobre a situação de Carola e as acusações contra ela. ;Salvar vidas é uma obrigação humanitária, e o salvamento no mar não pode ser criminalizado;, ponderou o ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas.
Salvini, homem forte do gabinete italiano, voltou a advertir as ONGs pró-migrantes de que não estão autorizadas a desembarcá-los no país. O tema é especialmente sensível na Sicília, que, por sua localização, tem sido nos últimos anos um dos destinos mais procurados pelos refugiados que tentam cruzar o Mediterrâneo. Nas eleições de maio para o Parlamento Europeu, o partido do ministro do Interior, a Liga, teve 45% dos votos dos sicilianos.
"Estamos orgulhosos da nossa capitã. Fez o que era necessário e colocou essas pessoas em um ambiente seguro;
Johannes Bayer, diretor da ONG Sea-Watch