postado em 06/07/2019 04:21
Um olho no acordo,o outro no parceiro
Apenas começou a assentar a poeira da rumorosa (e festejada) conclusão do acordo de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul. E os primeiros movimentos que se seguiram ao anúncio bastam para colocar em um patamar mais alto a atenção que passam a merecer, por aqui, os acertos e desacertos no campo dos parceiros. A UE vive o momento de recompor o seu alto comando, ao fim de uma eleição que transportou para o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o quadro político fragmentado que se alastra pelo Velho Mundo como as epidemias medievais. Até mesmo a Alemanha, âncora da estabilidade no continente, assiste à acelerada corrosão da chanceler mais longeva desde Konrad Adenauer.
Angela Merkel, líder pré-aposentada da democracia cristã, enfrenta uma ameaça de crise no governo de coalizão com os social-democratas, insatisfeitos com o acordo fechado entre os governantes do bloco para preencher os cargos principais em Bruxelas ; a bancada socialista teve de se contentar com o comando da diplomacia e a presidência da Eurocâmara. Como decorrência, os aliados da chanceler ensaiam com a oposição um bloqueio à ratificação do acordo UE- Mercosul no Bundestag (o parlamento alemão).
O movimento de resistência se repete na França, onde tem, como na Alemanha, o respaldo dos produtores agrícolas (foto), inquietos com os termos da abertura do mercado europeu do setor aos produtos sul-americanos. Tanto Merkel quanto o presidente francês, Emmanuel Macron, pisam em ovos no cenário doméstico e, por isso mesmo, empenham todo o peso político de seus países para arranjar da melhor maneira a próxima fase da recomposição do comando da UE: a montagem da nova equipe da Comissão Europeia (CE), o braço executivo do bloco.
Uma vez ratificada pelos eurodeputados a indicação de Ursula von der Leyen, ministra alemã da Defesa e próxima à chanceler, para presidir a CE, entrará em pauta a escolha dos comissários. As numerosas normas formais da UE e as ;leis; não escritas determinam a busca de equilíbrio em vários eixos: entre as forças políticas representadas em Estrasburgo; entre os diferentes países e regiões do continente; entre homens e mulheres. A julgar pelas dificuldades para definir a cúpula, é de se esperar uma negociação prolongada.
Do ponto de vista sul-americano e brasileiro, é com os novos comissários que será discutido o detalhamento do acordo, anunciado durante a cúpula do G20, assim como a implementação progressiva dos novos parâmetros para o comércio no âmbito do maior mercado aberto do mundo. São passos trabalhosos e que definirão, em última instância, o alcance dos resultados para cada uma das partes, em matéria de ganhos (e perdas) nas próprias economias.
Ser ou não ser...
Assim como a complexa ; e por vezes enfadonha ; política interna da União Europeia, é bom já ir se acostumando a acompanhar com maior atenção as tratativas sobre o Brexit. O drama quase shakespeariano da saída do Reino Unido segue uma coreografia igualmente complexa e enfadonha. Ora, lembra os vaivéns do tango. Ora, lembra o frevo ou a dança do cossaco, segundo a leitura feita por Luiz Gonzaga na linguagem do baião: ;Parecia até um frevo/naquele cai e não cai/parecia até um frevo/naquele vai e não vai;.
A novela entra em nova fase no fim do mês, quando o Partido Conservador escolhe um novo líder para substituir a premiê Theresa May, empossada em 2016 para conduzir o Brexit, mas incapaz de conseguir no parlamento britânico o aval indispensável ao acordo de ;divórcio; que negociou com Bruxelas. Caso prevaleça o favorito, o ex-chanceler Boris Johnson, um entusiasta incondicional da separação, cresce o risco de rompimento sumário em 31 de outubro ; a data prevista para a efetivação da saída, coincidindo com o Halloween, mas sem direito aos docinhos. Com o atual chanceler, Jeremy Hunt, abre-se a possibilidade de a trama percorrer novos ziguezagues até o epílogo.
Em um ou outro caso, o desfecho terá impacto incontornável para o panorama da UE e, naturalmente, para o desenrolar do processo recém-iniciado com o Mercosul.
Cabe mais um?
Para os emissários externos que acompanham ; ainda algo aturdidos ; os movimentos iniciais do governo Bolsonaro, a pergunta da semana se relaciona à inusitada aparição do presidente na comemoração da independência dos Estados Unidos, promovida pela Embaixada Americana na noite de quarta-feira, véspera da data. Aberto o precedente de o próprio chefe de Estado prestigiar o evento de um parceiro, as atenções se voltam para o domingo que vem, 14 de julho, quando será a vez de a França comemorar a Queda da Bastilha, a sua festa nacional.
Em tempos de aliança preferencial afirmada e reiterada com o Tio Sam, enquanto a diplomacia brasileira celebra o acordo histórico com a Europa, a Embaixada da França será o cenário para sondar se cabem outras relações íntimas no Brasil da era Bolsonaro.