postado em 07/07/2019 04:05
Três meses de campanha separam o Uruguai de uma eleição presidencial que os sócios do Mercosul ; Brasil, Argentina e Paraguai ; e os demais vizinhos sul-americanos terão motivos de sobra para acompanhar com a máxima atenção. Três dos candidatos definidos nas primárias partidárias do domingo passado despontam como favoritos, mas a questão que mobiliza o subcontinente é o destino do último governo de esquerda do bloco comercial. Depois de governar por 15 anos, em mandatos alternados do atual presidente, Tabaré Vázquez (duas vezes) e do celebrado José Pepe Mujica, a Frente Ampla, que sobreviveu à ditadura cívico-militar de 1973-1985 e encorpou em três décadas de democracia, chega às urnas desgastada. A expectativa é de um segundo turno desfavorável para o ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez, a quem os militantes da legenda confiaram a missão.
O engenheiro, ligado ao Partido Socialista, de Tabaré, terá como principal adversário um político de estirpe do Partido Nacional, também conhecido como blanco, uma das duas legendas que dominaram o cenário uruguaio no século passado. Luis Lacalle Pou, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle, se impôs nas primárias a um milionário estreante na política, simpatizante declarado do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Sua primeira tarefa será atrair, até outubro, os votos dados ao rival por um eleitorado interno considerado fluido e volátil. Martínez e a Frente Ampla largam na frente nas pesquisas para o primeiro turno, com 36% das intenções de voto. Mas, com 29%, os blancos apostam na captação natural dos eleitores de Ernesto Talvi, do Partido Colorado ; a outra força política histórica do país.
Para o governista, a primeira escala da jornada foi completar a formação da chapa presidencial, e a escolha recaiu sobre a ex-vereadora da capital Graciela Villar, 60 anos, veterana da militância estudantil e sindical. ;É uma companheira que conheço há muitos anos, comprometida com a causa desde a ditadura, com experiência parlamentar e um perfil que nos permitirá o vínculo com o movimento social, um laço que tem de florescer novamente;, discursou Martínez ao apresentar a vice. Coin cidência ou não, também Lacalle terá a companhia de uma mulher, Beatriz Argimón, presidente do Partido Nacional.
Estagnação
Depois de ter governado com crescimento initerrupto por 15 anos, desde 2003, a Frente Ampla carrega agora nos ombros o peso da estagnação econômica, com fechamento de empresas, desemprego e um deficit público que chega a 5% do PIB. Paralelamente, a criminalidade aumenta e a sensação de insegurança fornece munição farta para a oposição. Na avaliação do professor Juliano da Silva Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da UnB, a esquerda sul-americana paga o preço pelos próprios erros, mas também confronta uma conjuntura internacional desfavorável.
;Não é um processo apenas regional, é também na Europa e nos Estados Unidos: a eleição de Donald Trump, o Brexit, a vitória de forças conservadoras em vários países;, analisa Cortinhas, em entrevista ao Correio. Ele faz coro, no entanto, a uma das críticas mais frequentes da oposição uruguaia, que acusa os governos da Frente Ampla de terem se preocupado quase exclusivamente com o acesso dos mais pobres ao consumo. ;Sem dúvida, aumentou o ascesso à educação, mas não a uma educação de qualidade. Os avanços que era preciso fazer não foram feitos;, pondera. ;A esquerda na América do Sul cometeu falhas, e essa foi a principal.;
O professor da UnB observa, no entanto, que também a Argentina terá eleições presidenciais ; e, lá, o ônus da economia estagnada recairá sobre o direitista Mauricio Macri, que tentará a reeleição. ;O Uruguai pode ser mais um país a fazer um movimento de sentido conservador, mas não será o desmoronamento da esquerda;, arrisca. ;Uma das dificuldades da esquerda por aqui é se renovar. No Brasil, a gente ainda fala do Lula. Na Argentina, é Cristina Kirchner, que até tem chances de voltar, porque Macri também não conseguiu entregar resultados satisfatórios.;