Thaís Moura*
postado em 11/07/2019 14:31
Aproximadamente 21,3% da população se encontra em uma situação de pobreza multidimensional, segundo o Índice da Pobreza Multidimensional (IPM) divulgado nesta quinta-feira (11/07) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O índice ainda mostra que, entre as 1,3 bilhão de pessoas multidimensionalmente pobres, mais de dois terços (886 milhões) vivem em países de renda média -como o Brasil-, enquanto outros 440 milhões vivem em países de baixa renda. Os dados globais do IPM de 2019 foram desenvolvidos em conjunto pela PNUD e pela Iniciativa de Desenvolvimento Humano e Pobreza de Oxford (OPHI), e cobrem 76% da população global.
Diferente dos resultados anteriores do IPM, que não se aprofundaram na questão da pobreza infantil, o relatório de 2019 evidencia que as crianças sofrem mais intensamente com a pobreza do que os adultos, assim como estão mais sujeitas a privações em todos os indicadores do IPM. Segundo os dados, quase metade (663 milhões) dos 1,3 bilhão de pessoas multidimensionalmente pobres são crianças menores de 18 anos, e um terço são crianças menores de 10 anos.
"As crianças são o grupo mais vulnerável à pobreza multidimensional porque os lugares mais pobres também são os que concentram uma maior fertilidade, então você tem uma maior quantidade de crianças nascendo de um casal que já é pobre naturalmente", esclarece a coordenadora da unidade de desenvolvimento humano da PNUD, Samantha Salve. Marcelo Neri, diretor da FGV Social, concorda, mas acrescenta que há outros fatores para a grande taxa de pobreza infantil. ;Em qualquer lugar do mundo, crianças não votam, então, politicamente, não são o principal alvo de políticas públicas, que é um dos fatores levados em conta pela pobreza multidimensional;, afirma o especialista.
Apesar do relatório não apresentar dados específicos por região sobre a pobreza infantil, Neri acredita que a situação é ainda mais grave no Brasil. ;Se você pegar o dado de 2017 da PNAD sobre pobreza de renda no brasil, você vê que a taxa de pobreza entre crianças de 0 a 4 anos, por exemplo, é 6,5x maior do que a pobreza de pessoas de 60 anos ou mais, então as crianças são o nosso bolsão de pobreza maior. Isso é bastante preocupante porque elas (crianças) são as pessoas que vão nos comandar no futuro. Nos lugares em que essa pobreza é maior, se tem gastos maiores com o passado, com questões previdenciárias, que não alcançam as crianças, e poucos gastos com o futuro, com questões como educação e saneamento;, destaca.
Brasil
No Brasil, 3,8% da população se encontra em situações de pobreza multidimensional, enquanto 6,2% correm o risco de chegarem a esse nível. Além disso, 26,5% dos brasileiros vivem com menos de US$ 1,90 ao dia, e 0,9% se encontram em situação de pobreza extrema. Cabe ressaltar que os dados sobre o Brasil são os mesmos desde 2015, tendo em vista que a PNUD utiliza dados disponibilizados por cada país, e para 2019, não foram encontradas novos indicadores.
Para calcular a pobreza multidimensional, o IPM vai além da renda, e usa como indicadores principais a saúde, educação e padrão de vida da população. Aqueles que sofrem privações em pelo menos um desses três indicadores se enquadram na categoria de multidimensionalmente pobres. No Brasil, 49,8% da pobreza multidimensional é atribuída a privação de saúde, como a falta de nutrição adequada e a taxa de mortalidade infantil, enquanto 27,3% é atribuída ao padrão de vida dos brasileiros, levando em conta fatores como o acesso à água potável, eletricidade, habitação e saneamento. Já 22,9% desse índice é decorrente da privação de educação, verificada pela frequência escolar de crianças e pela quantidade de anos de escolaridade de membros das famílias brasileiras.
A coordenadora da unidade de desenvolvimento humano da PNUD destaca que o nível de pobreza multidimensional brasileiro é bem inferior em comparação aos outros países analisados pelas nações unidas. Enquanto o Sudão do Sul, país com maior IPM, tem 91,9% de pobreza multidimensional, e o Níger, 90,5%, o Brasil se aproxima mais de países com os menores índices, como a Jordânia (0,4%). "Isso se dá principalmente por algumas questões de ganhos no piso de proteção social no Brasil. Temos uma taxa de mortalidade mais baixa e um nível de educação relativamente bom no que diz respeito a frequência escolar. O que mais ganha destaque são as condições de vida, porque no Brasil, se tem um acesso quase que universal à eletricidade e água", justifica Samantha.
"Em geral, medimos a pobreza através da riqueza, da renda da população. A pobreza multidimensional entende que isso é uma coisa mais complexa, e por isso, avalia três indicadores principais. É importante se ter esse olhar da pobreza porque, assim, é possível medir mais diretamente como a pessoa pobre está vivendo. Também é possível se ter uma pobreza monetária maior do que a pobreza multidimensional, como acontece no Brasil, então esse aspecto da pobreza ajuda a focalizar em políticas públicas mais sensíveis à realidade da vida das pessoas", explica a especialista.
Variação da pobreza
Os dados ainda mostram uma enorme variação na pobreza multidimensional dentro dos países. Em Uganda, por exemplo, 55% da população vivencia a pobreza multidimensional, média semelhante à da África subsaariana. Porém, a capital Kampala tem uma taxa de IPM de 6%, e a região de Karamoja, de 96%.
No entanto, o IPM destaca uma tendência positiva presente em países mais atrasados. Segundo os dados, esses países estariam subindo mais depressa, já que as taxas de pobreza (como porcentagem da população) caíram na maioria. "Analisamos os dados de um grupo de dez países de rendas média e baixa e descobrimos a encorajadora novidade de que os 40% de baixo estão se movendo mais rapidamente do que o resto", afirma a diretora da OPHI, Sabina Alkire. "Esse é um padrão favorável aos pobres, que reduz as desigualdades em vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)".
O índice ainda revela que, dentro desses dez países, 270 milhões de pessoas deixaram a pobreza multidimensional entre uma pesquisa e outra, a maior parte do sul da Ásia. "Na Índia, havia 271 milhões de pobres a menos em 2016 em relação a 2006, enquanto em Bangladesh esse número caiu 19 milhões entre 2004 e 2014. Em outros países houve menos - ou nenhuma - redução absoluta, com o número de multidimensionalmente pobres aumentando em 28 milhões nos três países africanos considerados", informa a PNUD. "Em parte, isso ocorreu devido ao rápido crescimento populacional, que superou as reduções na pobreza".
*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Nader