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Conexão diplomática

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 13/07/2019 04:06
Trama edipiana
no Itamaraty



O Brasil teve intelectuais nomeados embaixadores, em outros momentos. Guimarães Rosa e Vinicius de Moraes, entre outros, ocuparam postos diplomáticos. Assim como outros escritores e políticos designados como representantes do país: o ex-presidente Itamar Franco, em Lisboa, para ficar em um caso recente.

O que não apenas incomodou a diplomacia profissional, mas igualmente constrangeu os representantes externos acreditados no país, é outra questão que cerca a surpreendente a indicação de Eduardo Bolsonaro, o ;filho 03; de Jair Bolsonaro para o posto: afinal, o que quer o novo governo?

No Itamaraty, prevalece a ideia de que o momento é delicado e envolve muito mais do que simplesmente uma questão de escolha pessoal ; em resumo, elas sempre são, em especial para os postos de maior destaque. O que incomoda o corpo profiissional do Itamaraty é o ;timing;, o momento em que a nomeação do filho do presidente entrará em debate.

Ter na missão diplomática de maior exigência e destaque para o país um político de carreira breve, para não falar na ausência de experiência em missões externas, é um movimento que coloca o governo de Jair Bolsonaro diante de um dilema da ordem de grandeza daquele colocado na antiguidade clássica grega a Édipo, herdeiro do trono de Tebas. Dado por morto, ele retorna à cidade. É confrontado pela enigmática Esfinge a responder a uma pergunta fatal. Acerta, é aceito e assume o lugar do pai, a quem mata, inadvertidamente. Eduardo Bolsonaro não teve de responder a uma pergunta sequer, por ora.

Reconhecido como primogênito e sucessor legítimo do pai, o jovem príncipe grego foi estudado por séculos como o símbolo da transição entre o envelhecido poder oligárquico e as classes sociais ascendentes na Grécia. Por aqui, o ;filho 03; do presidente aparece como a expressão de um governo não apenas fechado em si mesmo e nos apoiadores, mas decidido a fazer outro tipo de transição ; para uma admnistração comprometida com um realinhamento externo traçado segundo convicções e pouco mais.

Assim na terra...
O que chamou a atenção, na decisão de indicar Eduardo Bolsonaro como embaixador nos EUA, não foi propriamente uma suspeita de nepotismo, ainda que ela paire. Também Donald Trump, o presidente admirado sem reservas por Jair Bolsonaro, tem no núcleo familiar imediato uma reserva de talentos para funções de Estado. É assim que a filha Ivanka e o genro Jared Kushner constam no site oficial da Casa Branca como assessores especiais do presidente. O último participa com desenvoltura das articulações no Oriente Médio.

Ao indicar o filho para chefiar a missão em Washington, o recado que o presidente envia é o do alinhamento sistemático. Eduardo Bolsonaro acompanhou o pai na visita à capital americana, um dos primeiros destinos externos do novo presidente. Esteve no Salão Oval da Casa Branca, durante a audiência oficial, privilégio negado ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que aguardou do lado de fora. O ;filho 03; não se furtou de posar para fotos com um boné da campanha de Donald Trump para a reeleição, em 2020 ; outra quebra de precedente, no que diz respeito à diplomacia brasileira.

...como no céu
Internamente, a nomeação do deputado do PSL-SP para o posto externo mais relevante no mapa da diplomacia brasileira envia outros recados. De cara, reafirma a opção por uma relação privilegiada com os EUA, em um momento no qual o país tem pela frente uma negociação prolongada e exaustiva para traduzir em normas e colocar em prática o acordo comercial recém-concluído entre o Mercosul e a União Europeia. Ao investir nas relações com o Velho Mundo, a diplomacia brasileira deu sinal de reconhecer a oportunidade aberta pela postura de confrontação assumida por Donald Trump em relação à Europa, sem falar no confronto com a China.

Procuração
Em outra esfera, os observadores da cena política no Brasil tratam de avaliar outros possíveis desdobramentos da escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington. Os EUA passam por um momento no qual escalam as tensões com Coreia do Norte e Irã ; em ambos os casos, com o empenho explícito de impedir regimes declaradamente hostis de desenvolver armas nucleares. Em anos anteriores, a diplomacia brasileira ocupou lugar central nos esforços internacionais que viriam a resultar no acordo nuclear firmado em 2015, com Barack Obama na Casa Branca, entre seis potências mundiais e o regime islâmico de Teerã. Agora, sob Trump, os EUA se perfilam como fator de instabilidade, desde que se retiraram do tratado, em meados de 2018.

Para o governo brasileiro, a opção que se coloca é entre seguir apostando no soft power, buscando nichos para exercer a vocação negociadora, ou alinhar-se com a política pró-israelense traçada na Casa Branca e no Departamento de Estado ; com as consequências para um país que renuncia à capacidade de intercessão, sem dispor dos meios para agir efetivamente no campo da coerção.

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