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Fim de carreira para El Chapo

Joaquín Guzmán, o chefão mexicano considerado o maior exportador de cocaína desde Pablo Escobar, é sentenciado à prisão perpétua por um tribunal federal dos EUA. A defesa denuncia o processo como "piada" e anuncia que vai recorrer

Correio Braziliense
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postado em 18/07/2019 04:05
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Uma penitenciária federal nas montanhas do Colorado, considerada mais segura dos Estados Unidos, deverá ser o último endereço de Joaquín Guzmán, 62 anos, mais conhecido como El Chapo e considerado o maior traficante internacional de drogas desde o colombiano Pablo Escobar, morto em 1993. Uao fim de três meses de julgamento, um juiz federal de Nova York anunciou ontem a sentença para o chefão mexicano do poderoso Cartel de Sinaloa. Condenado à prisão perpétua por planejar e executar o envio de centenas de tonaleadas de cocaína, maconha e metanfetaminas através da fronteira entre o México e os EUA, ele recebeu a pena adicional de 30 anos pelo uso de metralhadoras e outras armas de fogo para cometer crimes conexos ao de narcotráfico.

;As provas esmagadoras apresentadas durante o processo mostraram que (Joaquín Guzmán) foi o chefe impiedoso e sanguinário do Cartel de Sinaloa;, escreveu o procurador federal do Brooklyn, Richard Donoghue, na peça final da acusação. Ao longo das audiências, a promotoria apresentou provas de que El Chapo ordenou a morte, ou torturou e matou ele mesmo, pelo menos 26 pessoas, incluindo informantes da polícia, traficantes rivais, policiais, sócios e até familiares. A sentença determina ainda que Guzmán devolva US$ 12,6 bilhões dos lucros obtidos com seus crimes.

;A sentença pedida pelo Estado, de prisão perpétua com mais 30 anos, é uma piada;, reagiu o advogado do chefão, Eduardo Balarezo, que anunciou a decisão de recorrer. ;A condenação e a prisão de Joaquín não vão mudar nada na guerra contra as drogas;, afirmou. O próprio réu se pronunciou pouco depois da abertura da audiência de ontem ; a primeira vez que se expressou oralmente desde que foi extraditado para os EUA, em janeiro de 2017. Questionou a condução do processo, alegou ter sido privado de julgamento justo e denunciou ter sido vítima de ;tortura física, psicológica e moral 24 horas por dia; enquanto esteve sob custódia da Justiça americana. ;A justiça não foi feita;, proclamou.

Provas e depoimentos
O governo dos EUA sustenta que El Chapo foi responsável por contrabandear para o país ; ou tentar fazê-lo ; ao menos 1.213 toneladas de cocaína, 1,44 tonelada de pasta-base de coca, 55 toneladas de maconha, 222kg de heroína e ;quantidades; de metanfetaminas. Os números se referem a um período de 25 anos, entre 1989 e 2014, durante o qual comandou o Cartel de Sinaloa. Durante o processo, a Procuradoria convocou 56 testemunhas, incluindo 14 ex-sócios, amigos e até uma amante de El Chapo que fugiu com ele nu, correndo por um túnel, assim como agentes do FBI, da DEA (agêndia antidrogas dos EUA) e de outros órgãos do governo americano.

As testemunhas relataram como o chefão de Sinaloa comprava toneladas de cocaína na Colômbia, a US$ 3 mil o quilo, e revendia nos Estados Unidos por até US$ 35 mil, com a cumplicidade de funcionários mexicanos corruptos. O júri ouviu conversas de El Chapo com os sócios e viu pacotes de cocaína, lança-granadas e fuzis de assalto apreendidos com o narcotraficante. Antes de ser pronunciada a sentença, um ex-colaborador do cartel contou que o criminoso ofereceu US$ 1 milhão pela sua cabeça. ;Sou um milagre divino, porque Guzmán tentou me matar;, disse Andrea Fernandez Velez, que chorou durante todo depoimento.

Protagonista de duas fugas espetaculares de prisões mexicanas, Guzmán está em isolamento total desde que chegou aos EUA, em um presídio de segurança máxima de Manhattan. Uma vez encerrado o processo, com o exame dos recursos judiciais, ele deve ser transferido para cumprir a pena na prisão federal ADX Florence, no Colorado, considerada a mais segura do país e chamada de ;Alcatraz das Montanhas Rochosas;, em referência à célebre ilha-prisão na baísa de San Francisco ; hoje desativada, mas tida por décadas como à prova de fugas.



Perfil

Cocaína, fortuna e queda

A trajetória até se tornar o maior narcotraficante do mundo, uma espécie de sucessor do chefão colombiano Pablo Escobar, começou com uma infância difícil em Sinaloa, região de fronteira com os Estados Unidos, no noroeste do México, castigada pelo clima árido e pela violência enraizada. Entre grandes plantações de maconha ; e depois de papoula, matéria-prima do ópio e da heroína ;, o pequeno Joaquín Guzmán Loera conseguiu estudar apenas até o terceiro ano do ensino fundamental. Trabalhava para ajudar a família. Com 15 anos, seguiu o caminho de outros adolescentes e entrou para o tráfico de drogas. Aos 54, já como El Chapo, líder do Cartel de Sinaloa, entraria para a lista de bilionários da revista especializada Forbes. Em 2016, após uma sequência de fugas espetaculares, foi capturado pela polícia mexicana e, no ano seguinte, extraditado para os EUA ; onde, salvo outra escapada cinematográfica, passará o resto da vida na prisão.

;Recordo como minha mãe fazia pão para sustentar a família. Vendi laranjas, vendi refrigerantes, vendi balas. Minha mãe era uma grande trabalhadora, trabalhava muito. Cultivávamos milho, feijão. Eu cuidava do gado da minha avó e cortava madeira;, contou o chefão em famosa entrevista gravada para a revista Rolling Stone e a Kate del Castillo Productions. Joaquín Guzmán nasceu em 4 de abril de 1957, no rancho La Tuna, no município de Badiraguato. Deixou a região aos 18 rumo à capital de Sinaloa, Culiacán, e de lá para Guadalajara, a segunda cidade do país. Lá, se uniu ao cartel de Miguel Ángel Félix Gallardo, o primeiro grande traficante de cocaína do México.

Quando Gallardo caiu, Guzmán passou a integrar a segunda geração de líderes do Cartel de Sinaloa. Primeira organização criminosa mexicana a estabelecer conexões internacionais, suas raízes datam da década de 1960. No início dos anos 1980, o principal fornecedor de cocaína para os mercados europeu e americano era o Cartel de Medellin, do já então consagrado Pablo Escobar. Guzmán foi enviado para fazer contato com os colombianos e costurar alianças, de maneira a garantir prioridade como intermediário nas remessas de cocaína para os EUA.

Em 1993, quando Escobar foi morto na Colômbia, El Chapo Guzmán já era um nome conhecido e respeitado no mundo do narcotráfico. Temido e odiado pelos rivais, mas igualmente na mira das autoridades. Naquele ano, sobreviveu a um atentado de concorrentes no aeroporto de Guadalajara, mas não escapou a uma operação policial na Guatemala. Desde então, especializou-se nas fugas. Na primeira, em 2011, deixou a penitenciária de Jalisco escondido no cesto de roupas. Voltou a cair em 2014, no balneário de Mazatlán (Sinaloa), onde passava temporada com a atual mulher, Emma Coronel, ex-miss e sobrinha de outro líder do Cartel de Sinaloa. No ano seguinte, escapou por um túnel cavado sob o banheiro da cela.

El Chapo teria sido traído pela própria vaidade, depois de tentar contato com a atriz mexicana Kate del Castillo e com o americano Sean Penn para que filmassem sua biografia. Deixou para os herdeiros uma organização criminosa com bases em dezenas de cidades dos EUA, hegemônica em metade do México e em toda a América Central. Na sua ausência, acredita-se que o comando esteja com Ismael ;El Mayo; Zambada.





Novela mexicana


Cenas de quase ficção marcaram o processo de El Chapo nos EUA


Torturas e assassinatos
Um ex-matador a serviço do Chapo, Isaías ;Memín; Valdez Ríos, garantiu que viu o próprio chefe torturar e executar três traficantes rivais. Um foi enterrado vivo, depois de baleado pelo líder do cartel. Os outros foram espancados, executados e lançados numa fogueira.

Subornos
Dois ex-sócios do chefão contaram como subornaram com milhões de dólares em dinheiro funcionários do alto escalão do governo mexicano para encontrar rivais, expandir o negócio e fugir das autoridades nacionais e até da Interpol. Segundo o advogado do narcotraficante, Jeffrey Lichtman, também receberam propina os ex-presidentes do México Enrique Peña Nieto e Felipe Calderón.

Lucro máximo

O ex-contador do cartel, Jesús ;Rei; Zambada, relatou que o Chapo comprava cocaína colombiana a US$ 3 mil o quilo e vendia em Nova York por US$ 35 mil.

Vida de playboy
Tratamentos de rejuvenescimento em clínicas suíças, uma mansão frente ao mar em Acapulco, com o iate Chapito na porta, ranchos em todos os estados mexicanos, quatro jatos, um punhado de mulheres e um zoológico particular com leões e panteras, pelo qual passeava em um trenzinho ; o ;tesoureiro; Miguel Ángel ;Gordo; Martínez descreveu em audiência como era a vida do Chapo. ;Viajávamos pelo mundo todo: Brasil, Argentina, Aruba, Europa, Japão, Hong Kong, Tailândia, Peru, Cuba, Colômbia, Panamá...
E Macau, para apostar.;

Amantes em fuga

Uma ex-amante e ex-sócia do Chapo, Lucero Guadalupe Sánchez López, contou diante da mulher do ex-parceiro, Emma Coronel, como os dois evitaram ser presos por fuzileiros mexicanose, uma madrugada de 2014, escapando por um túnel escavado sob a banheira, em uma casa de Culiacán. O Chapo, totalmente nu, saiu correndo na frente e a deixou para trás.

Cineasta
El Chapo queria produzir e dirigir um filme sobre a própria vida, e trabalhou vários anos no projeto, disse seu ex-braço direito, o narcotraficante colombiano Alex Cifuentes. Um produtor colombiano chegou a ser contratado para a coautoria do roteiro.

O ;outro; Chapo
O chefão mexicano chegou a trocar cumprimentos no tribunal com o ator Alejandro Edda, que o interpretou na série Narcos: México, da Netflix. ;Fui estudar um senhor que, de certa maneira, é como um mito, uma lenda;, contou Edda. El Chapo sorriu e disse ao advogado que o ator ;não era tão alto; quanto ele imaginava.

A mulher
Emma Coronel, 30 anos, mulher do Chapo e mãe de suas pequenas filhas gêmeas, acompanhou praticamente todos os dias do julgamento, olhando e sorrindo para o marido, de 62. As autoridades não deixam a ex-miss, que usa roupas apertadas e sapatos de salto, ter contato físico o ou por telefone com o narcotraficante.

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