postado em 24/07/2019 04:06
Uma visita protocolar à rainha Elizabeth II formaliza hoje o que os britânicos, os vizinhos europeus e o resto do mundo apenas aguardavam, sem esperar surpresa: Boris Johnson assume a liderança do Partido Conservador e o posto de primeiro-ministro do Reino Unido no lugar de Theresa May, contra quem trabalhou nos últimos dois anos. Entusiasta do rompimento do país com a União Europeia (UE) desde o referendo de três anos atrás, ele comemorou a vitória na disputa interna entre os filiados reafirmando a promessa central de campanha: ;Vamos implementar o Brexit em 31 de outubro, seja como for;.
O ex-prefeito de Londres e ex-ministro das Relações Exteriores derrotou o atual chanceler, Jeremy Hunt, com 66% dos votos dos cerca de 160 mil membros do partido. Deve formar um governo no qual os principais postos ficarão com os ;brexiteers;. Além de Hunt, ao menos dois dos principais ministros de May anteciparam a decisão de se desligar do gabinete: o titular das Finanças, Philip Hammond, e o da Justiça, David Gauke. Outros funcionários de alto escalão anunciaram a intenção de se demitir, todos pela mesma razão: rejeitam a posição do novo premiê, que não descarta a opção de consumar o Brexit ainda que sem qualquer acordo com a UE sobre a transição para o novo status.
;Estamos ansiosos para trabalhar construtivamente com o primeiro-ministro Boris Johnson, quando ele tomar posse, de modo a facilitar a ratificação do Acordo de Retirada e alcançar um Brexit ordenado;, comentou Michel Barnier, o chefe da equipe da UE que negociou por três anos com o governo de Theresa May. O novo morador da residência oficial de Downing Street, em Londres, recebeu de pronto as felicitações ; ao menos protocolares, de dois dos principais interlocutores na Europa continental: o presidente da França, Emmanuel Macron, e a chanceler (chefe de governo) da Alemanha, Angela Merkel.
A manifestação mais calorosa chegou dos Estados Unidos: o presidente Donald Trump nunca escondeu a simpatia por um político que, em muitos aspectos, espelha o seu estilo provocativo e intempestivo. ;Ele será ótimo!”, tuitou Trump, que vem propondo reiteradamente um acordo comercial preferencial assim que se efetive o ;divórcio; do Reino Unido com a UE. Em Londres, a expectativa era de que Johnson anuncie ainda hoje a data para uma visita a Paris, Berlim e Bruxelas.
Sem maioria
Johnson assumirá a chefia do governo na mesma posição que impediu a antecessora de concluir o Brexit no prazo original, 29 de março, e deixou o processo em aberto para a nova data marcada, 31 de outubro, Os tories, como são chamados os conservadores, estão divididos e não têm maioria na Câmara dos Comuns e dependem do apoio de um partido regional da Irlanda do Norte para governar. Theresa May tentou por três vezes aprovar o acordo negociado com Bruxelas, sem sucesso, e se demitiu em maio, depois do último revés.
Durante a campanha para sucedê-la, o ex-chanceler foi sempre o favorito. Fez da promessa de consumar o Brexit sem mais adiamentos a peça central de seu programa, embora se dizendo otimista quanto à chance de negociar um novo acordo ; possibilidade excluída, até aqui, pela cúpula da UE. A determinação anunciada e reiterada de ir em frente em qualquer hipótese pode colocar o novo premiê em rota de colisão com o parlamento, que aprovou moções para impedir o governo de decidir pelo chamado ;Brexit duro;.
O líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbin, em campanha pela convocação de novo plebiscito sobre o tema ou mesmo pela antecipação das eleições legislativas, questionou sem meias-palavras a legitimidade do novo chefe de governo. ;Boris Johnson obteve o apoio de menos de 100 mil filiados do Partido Conservador. Mas não obteve o apoio do nosso país;, disparou.
;Vamos implementar o Brexit em 31 de outubro, seja como for;
Boris Johnson, novo primeiro-ministro do Reino Unido
Perfil
Bruxelas
no destino
A capital da Bélgica e da União Europeia (UE) parece atrelada ao destino de Boris Johnson. Foi lá, aonde chegou com 24 anos, como correspondente do jornal londrino Daily Telegraph, que seus textos chamaram a atenção da então premiê Margaret Thatcher. Ao longo de cinco anos, o estiloso jornalista formado em Oxford ficou conhecido pelos cabelos louros revoltos e pelo francês propositalmente arrevesado. Nas entrevistas coletivas, batia insistentemente em uma tecla: de que a UE estava nas mãos de franceses ;diabólicos; e alemães ;obcecados pelas regras;.
Hoje, aos 55 anos, BoJo, como é chamado pelos amigos, assume o lugar que já foi da admiradora Thatcher. E seu mandato tem justamente Bruxelas como centro de gravidade: a missão que lhe foi confiada pela maioria dos filiados é consumar na data prevista, 31 de outubro, a saída do Reino Unido do bloco ; o Brexit, pelo qual fez campanha no referendo de 2016, em desafio ao então premiê e líder do partido, David Cameron. Como em toda a carreira política, que tomou corpo na Prefeitura de Londres e de lá para o Ministério de Relações Exteriores, Boris Johnson chega a Downing Street apostando na autoconfiança.
;Não acho que ele tenha uma opinião clara sobre o Brexit, mas tem uma opinião muito clara sobre si mesmo: a única coisa em que Boris Johnson acredita é em Boris Johnson;, resume Pascal Lamy, ex-diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), que o conhece desde jovem. Martin Fletcher, que foi editor-assistente do respeitável The Times quando o novo premiê escrevia de Bruxelas, vê na fórmula de sucesso do correspondente o fator de risco para o chefe de governo: ;Colunistas de jornal são pagos para ser controversos, divertidos, provocativos. Mas esses não são atributos que se esperam de um primeiro-ministro;.