postado em 25/07/2019 04:06
A mensagem, em letras garrafais, foi publicada às 14h35 de ontem (16h35 em Brasília): ;A verdade é uma força da natureza!”. Donald Trump comemorou, em seu perfil no Twitter, o desempenho de Robert Mueller no Congresso. Durante sete horas de sabatinas nos Comitês Judiciário e de Inteligência da Câmara dos Deputados, o procurador especial responsável por investigar o suposto conluio entre o Partido Republicano e a Rússia para influenciar as eleições de 2016 disse que o seu relatório final não exime Trump de culpa, admitiu que ;o governo russo interferiu de forma abrangente e sistemática; no processo democrático norte-americano, descartou uma ;caça às bruxas; e afirmou que o magnata pode ser indiciado após o término do mandato. ;A conclusão indica que o presidente não foi inocentado pelos atos que ele supostamente cometeu;, declarou Mueller.
No início da primeira audiência, no Comitê Judiciário, o procurador especial comentou que, com base na política do Departamento de Justiça e nos princípios de imparcialidade, decidiu não determinar se o presidente tinha cometido algum crime. Mueller advertiu que Moscou mantém o interesse em intervir nas eleições de 2020. ;Eles (russos) estão fazendo isso, enquantos estamos sentados aqui, e esperam fazê-lo na próxima campanha;, afirmou. Foi atacado por republicanos, que o acusaram de agir sob motivações políticas, e fez questão de defender a investigação como ;completa, justa e consistente;. Ele também confirmou que Trump tentou obstruir a Justiça, ao pedir à equipe para falsificar registros relevantes para o inquérito.
Ao fim da tarde, Trump recebeu a imprensa nos jardins da Casa Branca e classificou como um ;desastre; a participação de Mueller no Capitólio. ;Este foi um grande dia para o nosso país. Foi um grande dia para o Partido Republicano. E vocês poderiam dizer que foi um grande dia para mim, mas eu nem gosto de dizer isso. É ótimo;, disse. Antes, ele tinha se pronunciado, por meio do Twitter, com uma dose de ironia. ;Eu gostaria de agradecer aos democratas pela realização da audiência desta manhã. Agora, depois de três horas, Robert Mueller tem que se sujeitar ao #ShiftySchiff ; um constrangimento para o nosso país;, escreveu, citando Adam Schiff, líder democrata do Comitê de Inteligência da Câmara.
Richard Arenberg, professor de ciência política da Brown University (em Rhode Island) e autor de Congressional procedure: A practical guide to the legislative process in the U.S. Congress (;Procedimento do Congresso: um guia prático para o processo legislativo no Congresso dos EUA;), lembrou ao Correio que Mueller deixou claro que o relatório não exonera o presidente Trump. ;A evidência apresentada em relação à obstrução teria claramente levado ao indiciamento criminal de qualquer outra pessoa. As diretrizes do Departamento de Justiça impedem um presidente de ser acusado;, disse. ;Mueller honrou essa diretriz, e isso deixa para o Congresso determinar como responsabilizar o presidente.; Segundo Arenberg, mais de 100 ex-procuradores federais assinaram uma petição declarando que, se Trump não fosse presidente, eles o acusariam de múltiplas acusações de obstrução de Justiça.
O estudioso acredita que, como Trump se recusou firmemente a cooperar com a equipe de Mueller, o processo de impeachment é o único caminho aberto para assegurar que ninguém está acima da lei. ;Muitos analistas apontam o senador Mitch McConnell, presidente do Senado, como uma barreira intransponível para a condenação e a destituição de Trump;, citou Arenberg, que trabalhou durante 34 anos no Congresso, na assessoria dos senadores George Mitchell, Carl Levin e Paul Tsongas.
Para Joshua Sandman, especialista em Presidência dos EUA pela Universidade de New Haven (Connecticut), afirmou à reportagem que, depois de sustentar que não poderia indiciar Trump no exercício do mandato, Mueller recuou e alegou que não tinha chegado à conclusão sobre se o chefe de governo tinha cometido um crime. ;Vejo nisso uma inconsistência e uma incerteza capazes de ajudar Trump em relação à suspeita de obstrução de Justiça.;
Ingerência
Moscou tornou a negar qualquer interferência nas eleições dos Estados Unidos. ;Não há base que confirme que a Rússia tentou interferir; no processo eleitoral norte-americano, declarou Sergey Riabkov, vice-ministro das Relações Exteriores russos, horas antes da audiência de Robert Mueller. O diretor do FBI (a polícia federal dos EUA), Christopher Wray, advertiu anteontem que a Rússia também pretende manipular as eleições presidenciais de 2020.
;Eles (russos) estão fazendo isso, enquantos estamos sentados aqui, e esperam fazê-lo na próxima campanha;
Robert Mueller, procurador especial, sobre a interferência de Moscou nas eleições americanas
Pontos de Vista
Por Joshua Sandman
;Trump deve
estar aliviado;
;Não vejo consequências reais para Donald Trump. O testemunho de Robert Mueller foi instável e hesitante. O presidente deve estar aliviado. Teoricamente, ainda que muito improvável, ele poderia ser indiciado após deixar o cargo. O impeachment é menos improvável neste momento. Isso porque o procurador especial nada acrescentou de novo em sua sabatina. Suas respostas foram breves e não elaboradas. Mueller também ficou preso às conclusões do relatório. O tema ficou esvaziado. Os simpatizantes do impeachment demonstram paixão, mas não contam com amplo apoio.;
Especialista em Presidência dos Estados Unidos pela Universidade de New Haven (Connecticut)
Por Richard Arenberg
Impeachment
improvável
;Eu duvido que as sabatinas de Mueller tenham mudado dramaticamente as mentes de ambos os lados. Os partidários de Trump provavelmente não foram influenciados. No entanto, cabe ao Congresso decidir como responsabilizar o presidente por suas ações e declarações. Um número importante de congressistas democratas é favorável à abertura de audiências sobre o impeachment. Por isso, não estou certo de que um impeachment se torne mais provável na esteira das sabatinas de Mueller. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, continua se opondo a lançar um processo de impeachment.;
Professor de ciência política da Universidade Brown (em Rhode Island) e ex-funcionário do Congresso dos EUA por 34 anos
Bastidores
Estratégia democrata...
Durante a audiência no Comitê do Judiciário da Câmara dos Deputados, vários telões foram espalhados pela sala, no Capitólio. Um deles, posicionado atrás de Robert Mueller, exibia trechos de seu relatório de 448 páginas com conclusões a respeito do suposto conluio com os russos nas eleições de 2016. Outro telão foi colocado diante do procurador especial. Os trechos do documento foram projetados pelos democratas. Em uma dessas passagens, Mueller afirma que, ;se tivesse certeza de que nenhum crime foi cometido (por Trump), isso teria sido dito;.
...e resposta republicana
Os deputados governistas tentaram transmitir a ideia de que a investigação conduzida por Mueller foi ;politicamente motivada; e intensificaram os ataques contra o procurador especial, que recusou várias das perguntas e deu respostas evasivas em algumas ocasiões. Diante de membros do Comitê de Inteligência da Câmara, Mueller escutou do deputado republicano Devin Nunes que as evidências de conspiração entre o Comitê Nacional Republicano e a Rússia para interferir nas eleições de 2016 são como um ;monstro do Lago Ness;. De acordo com fontes da Casa Branca, o presidente Donald Trump (foto) exibia ontem um ar triunfante e mostrava satisfação com a postura agressiva dos republicanos, que apelaram à presunção de inocência.
Se a eleição fosse hoje...
Os democratas teriam uma vantagem de 7 pontos percentuais sobre Trump, revelou pesquisa divulgada ontem pela revista The Economist e pelo instituto YouGov. Dos 1.500 americanos entrevistados, 42% alegaram que votariam em um candidato da oposição, enquanto 35% dariam o voto ao magnata republicano. Onze por cento admitiram não saber e 12% disseram que não votarão em 2020.
Oportunidade de ouro
Tanto republicanos quanto democratas enxergaram no depoimento de Robert Mueller uma oportunidade para captarem recursos, com vistas à campanha eleitoral de 2020. Mensagens foram enviadas pelos governistas aos celulares de potenciais eleitores. ;Presidente Trump: ;Não houve conluio!’ Vamos dizer aos democratas para colocarem um fim nessa caça às bruxas arrecadando US$ 2 milhões em 24 horas! Contribua agora!”, afirmava um dos textos.