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Barrado nas Cortes

O premiê interino da Espanha, o socialista Pedro Sánchez, fracassa na tentativa de compor maioria com a esquerda radical e tem mais dois meses para aprovar um governo. Do contrário, terá de convocar a quarta eleição legislativa em quatro anos

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 26/07/2019 04:06
O presidente do governo espanhol com a vice, Carmen Calvo: socialistas, em minoria, tentarão negociar um acordo de coalizão até setembro
Pela segunda vez em dois dias, a maioria dos deputados que formam as Cortes, o parlamento da Espanha, negaram o voto para que o presidente de governo (primeiro-ministro interino) Pedro Sánchez formasse um gabinete com mandato pleno para os próximos anos. Incapaz de selar um acordo com a esquerda radical, Sánchez teve apoio apenas dos 124 parlamentares do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), muito aquém dos 176 que formariam a maioria absoluta e abaixo da maioria relativa que bastaria para confirmá-lo no cargo. Votaram contra o premiê 155 deputados e 67 se abstiveram ; entre eles, os eleitos pelo esquerdista Podemos.

Governando em minoria desde junho de 2018, embora o PSOE tenha eleito a maior bancada em abril passado, o premiê exerce a função interinamente desde feveriro, quando apresentou a renúncia após ter o projeto de orçamento rejeitado e convocou nova eleição. Diante do fracasso para confirmar o gabinete, Sánchez tem agora mais dois meses, até 23 de setembro, para obter sucesso em uma nova tentativa. Caso contrário, o país terá de voltar às urnas em novembro, para a quarta eleição legislativa no intervalo de quatro anos ; um recorde nas quatro décadas desde a restauração da democracia, após o fim de igual período de ditadura do ;generalíssimo; Francisco Franco.

;O acordo (de coalizão com o Podemos) não foi possível;, resignou-se Sánchez, ao de dirigir aos deputados minutos antes da votação. Ele afirmou que as diferenças com a esquerda radical não se deram em relação ao programa, mas à divisão dos ministérios. Segundo relatou, o PSOE ofereceu ao Podemos as pastas de Saúde, Habitação, Economia Social e Igualdade. Em sua última oferta, o Podemos concordou em receber os ministérios da Saúde e da Igualdade, mais uma vice-presidência. Exigia, porém, a pasta do Trabalho e a de Ciência e Universidades.


Disputa de espaço
Falando à imprensa, a vice-premiê Carmen Calvo justificou a recusa dos socialistas a ceder ao líder do Podemos, Pablo Iglesias. ;Eles, literalmente, nos pediram o (controle do) governo;, disse ela à rádio Cadena SER. Carmen Calvo classificou as exigências da esquerda como uma ;vontade de dominar todo conselho de ministros, para ter um gabinete paralelo;.

A vice de Pedro Sánchez sustenta que seu partido ofereceu ao Podemos a posição de comandar a política científica, a habitação, a agricultura, a demografia, a saúde, o consumo e as políticas de cooperação externa. O principal negociador do Podemos, Pablo Echenique, acusou o PSOE de romper com os termos negociados na tarde de quarta-feira. ;Eles nos ofereceram um papel secundário, sem competência para fazer políticas públicas que melhorem a vida das pessoas;, argumentou.

De acordo com Echenique, em momento algum os socialistas aceitaram ceder à esquerda radical ;poderes reais para aumentar o salário mínimo ou para rebaixar as contas de luz;. Repetindo o tom do líder da legenda, Pablo Iglesias, ele insistiu no ponto afirmado desde a abertura das conversações sobre uma possível coalizão: ;Não entraremos no governo a qualquer custo;.

Já na terça-feira, Iglesias, que havia renunciado a ser parte do futuro governo após o veto imposto a ele pelo premiê, acusou os socialistas de quererem ;humilhar; o Podemos e reduzi-lo a um ;papel decorativo;. A bancada esquerdista se absteve na primeira votação, na terça-feira, em que Sánchez precisava de 176 votos. Na ocasião, o gesto deixou uma porta entreaberta para a sequência das negociações. Um acordo entre PSOE e Podemos era visto como chave para atrair os partidos regionais, que prometeram facilitar a investidura de Sánchez e desbloquear o impasse no parlamento.

Ainda que as gestões tivessem sucesso, uma coalizão com essa composição teria o apoio garantido de apenas 165 dos 350 deputados,. ;Não teriam maioria, em um parlamento muito fragmentado;, ponderou Antonio Barroso, analista da consultoria londrina Teneo. A margem não bastaria para que Sánchez pudesse aprovar as reformas econômicas e sociais que defendeu em campanha, e a presença da esquerda radical no gobverno ;limitaria ainda mais a margem (do premiê) para negociar acordos políticos específicos; com outras forças, dado o antagonismo arraigado entre o Podemos e as duas forças principais da direita, PP e Cidadãos.


Instabilidade estrutural

Sistema político espanhol mergulha em impasse

Dezembro de 2015
Pela primeira vez desde a redemocratização, em meados dos anos 1970, nenhum dos dois grandes partidos sai das urnas com maioria para formar um governo, devido à ascensão das legendas Podemos (esquerda radical) e Cidadãos (centro liberal). O premiê Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP, direita), permanece à frente do governo, interinamente, e nova eleição é convocada para seis meses depois.

Junho de 2016
Novamente com a maior bancada, porém sem maioria absoluta nas Cortes, Rajoy consegue negociar uma coalizão com o Cidadãos e uma legenda regional das Ilhas Canárias. O novo gabinete assume em meio a questionamentos sobre financiamento irregular de campanhas do PP, que vê a queda de alguns de seus principais dirigentes e o estremecimento
da coalizão.

Junho de 2018
Ainda sob o impacto da crise provocada pela tentativa de independência da Catalunha, no segundo semestre de 2017, o líder da oposição socialista, Pedro Sánchez, consegue reunir maioria para aprovar uma moção de desconfiança contra Rajoy. Com apoio crítico do Podemos e de partidos nacionalistas catalães, Sánchez assume como primeiro-ministro à frente de um governo de minoria.

Abril de 2019
Depois de ter a proposta de orçamento rejeitada pelas Cortes, Sánchez renuncia e convoca nova eleição legislativa. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda) sai das urnas com a maior bancada, porém sem maioria. O premiê inicia negociações com o Podemos para um governo de coalizão, mas, depois de três meses, não consegue acordo e é derrotado no parlamento.

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