Agência Estado
postado em 30/07/2019 07:00
Em meio à crise política provocada pela assinatura de um acordo firmado entre Brasil e Paraguai para a venda da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu, que é compartilhada pelos dois países, o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni, apresentou sua renúncia juntamente com o embaixador do país no Brasil, Hugo Saguier, e o presidente da companhia paraguaia de energia elétrica, Alcides Jiménez.
As renúncias, anunciadas pela presidência, ocorreram um dia após Castiglioni informar que o governo tinha voltado atrás na sua decisão e cancelado a ata assinada com o Brasil sobre a contratação de energia. A saída deles foi uma tentativa do presidente Mario Abdo Benítez de amenizar as críticas de parte da população pelo "entreguismo do governo", e também da oposição paraguaia, que queria abrir um processo de impeachment contra ele "por mau desempenho das funções presidenciais". O Senado aprovou a proposta de rejeitar a ata de compra de energia.
A crise foi provocada porque o governo paraguaio teria cedido às exigências brasileiras e aceitado pagar mais do que determinava o acordo firmado em 2009 pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo. Desde fevereiro, o governo brasileiro tentava renegociar os termos desse tratado. Atualmente, os brasileiros pagam o dobro do que os paraguaios pela energia produzida pela usina. Em 2018, o Brasil pagou, em média, US$ 38,72 por MWh, enquanto o Paraguai pagou, em média, US$ 24,60.
As condições do tratado fazem com que o Brasil pague ao Paraguai pelo direito de adquirir a energia que os clientes paraguaios não consomem. O Paraguai usa o benefício dos baixos preços para atrair novas indústrias, e sua energia barata é uma das causas do crescimento do país, de quase 6% ao ano. O Tratado de Itaipu, que regula a energia produzida pela usinas, foi assinado em 1973. O texto determina que todo o custo do financiamento e da própria hidrelétrica seriam divididos na proporção da capacidade destinada para a comercialização.
O Paraguai consome cerca de 15% dos 50% da energia a que tem direito. O volume que o país não utiliza é vendido para o Brasil. O texto original estabelecia que a energia adicional teria apenas o custo associado aos royalties da produção. Em 2009, quando Lula e Lugo renegociaram os termos do tratado, o Brasil passou a pagar cerca de US$ 900 milhões pela energia. Até 2016 esse valor era pago pelo Tesouro Nacional. Depois, os recursos foram repassados para os consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Além da energia que é capaz de produzir, a Itaipu tem volume de energia excedente, mais barata por não incluir o custo do pagamento de empréstimo utilizado para a construção da hidrelétrica. Teoricamente, essa energia também deveria ser dividida entre as duas nações, mas o acordo de 2009 dá ao Paraguai o direito de uma proporção maior da energia barata.
A discussão se estende desde 2018, e até a assinatura do acordo, em maio, não havia consenso entre os países. As discussões são o preâmbulo do que deve ocorrer em 2023, quando os dois países terão de renegociar o Anexo C do Tratado de Itaipu, que trata da venda da energia como forma de pagamento do financiamento da usina. Em 1973, Brasil e Paraguai dividiram a construção da usina, mas os paraguaios não tinham dinheiro para arcar com sua metade dos custos, e o Brasil financiou o projeto. O Anexo C trata deste pagamento, que estará totalmente amortizado em 2023.
A assinatura da ata, que ocorreu em maio, só veio a público na quarta-feira, com a renúncia do presidente da estatal de energia elétrica Administración Nacional de Electricidad (Ande), Pedro Ferreira.
O Brasil, através da Eletrobras, solicitou ao Paraguai que comprasse energia com base em seu consumo e apresentasse um cronograma até 2022, um ano antes da negociação do Anexo C, algo que não costumava ser feito pelo lado paraguaio.
O documento foi assinado em 24 de maio sem que nenhuma autoridade paraguaia tivesse informado à opinião pública a respeito, o que levou parte da oposição a denunciar que o governo do Benítez está fazendo concessões e isso indicaria uma "cessão de soberania energética" ao Brasil. A oposição paraguaia também afirmou que a energia no país poderia custar o dobro em decorrência do acordo.
Analistas afirmam que a questão deve ser um tema de embates entre os dois países nos próximos anos. "O tema de Itaipu é muito sensível, pois os dois lados têm argumentos sólidos para defender suas posições", afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o cientista político Miguel Carter. "Mas o principal problema, do lado paraguaio, é que o país deixou de receber US$ 75,4 bilhões porque vendeu a energia ao Brasil por valores abaixo do preço de mercado. A população conhece esses dados, e Itaipu é uma questão de soberania nacional para o povo."
Para o cientista político Marcello Lachi, o segredo com que as negociações foram conduzidas e as mudanças de ideia sobre o acordo são sinal da "incompetência" do governo Benítez.
"O governo não pode assinar um acordo em segredo e, com menos de três dias de protestos, se retirar dele", afirmou Lachi ao Estado. "É um sinal de fraqueza enorme, pois ao menor sinal de ameaça da oposição, o governo cede à pressão. A mensagem enviada é a de um governo que cederá a qualquer pressão mais firme". (Com agências internacionais)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.