Mundo

Aquecimento altera a vida marinha

Revisão de 120 pesquisas mostra que as mudanças climáticas influenciam o comportamento e a evolução de animais oceânicos. Há, por exemplo, sinais de impacto no acasalamento de peixes e na forma como aves aquáticas buscam as presas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 03/08/2019 04:06
A redução do pH e o aumento da turbidez da água são alguns dos fatores que prejudicam o habitat marinho

Se, em terra firme, os efeitos do aquecimento do planeta sobre a vida animal são conhecidamente devastadores, no habitat marinho não é diferente. Estudos demonstram, por exemplo, que o excesso de dióxido de carbono está mudando o pH dos oceanos, que ficam mais ácidos e, consequentemente, afetam uma cadeia de organismos, como ostras e corais. Mas, de acordo com um estudo do Instituto de Ciência Marinha da Faculdade de Wil-liam & Mary, nos Estados Unidos, a fisiologia não é o único aspecto a sofrer alterações. O comportamento e a evolução dos seres aquáticos serão profundamente modificados, observa o trabalho, divulgado na Frontiers of Marine Sciences.

;As mudanças climáticas impactarão significativamente os organismos marinhos, alterando as vias sensoriais;, diz Emily Rivest, principal autora do estudo. ;Isso terá consequências para as interações ecológicas e evolutivas, incluindo acasalamento, predação e seleção de habitat;, alerta. Ela diz isso baseada na revisão de 120 artigos pioneiros, publicados em revistas científicas conceituadas.

De acordo com Rivest, a síntese dos resultados dessas pesquisas revela padrões de alterações na vida marinha e poderá orientar pesquisas que visem à conservação do habitat mais rico do planeta. Um dos estudos analisados pela pesquisadora, por exemplo, mostrou que a acidificação oceânica prejudica a interação de predador-presa entre caranguejos azuis e moluscos. Outro trabalho indicou que a alteração no pH marinho torna o caramujo mais propenso à predação das estrelas do mar.

;Nossa revisão enfatiza que o comportamento animal é o resultado de um percurso sensorial que inclui a produção de informações, a transmissão dessas informações pelo ambiente, a recepção das informações por um organismo e, em seguida, uma resposta ; o que o organismo decide fazer com a informação;, diz. O trabalho também faz as distinções entre as informações produzidas incidentalmente (o que os cientistas chamam de pista) e informações que um organismo produz intencionalmente ; um sinal.

;Saber onde e em quantos lugares a mudança climática interrompe esse caminho nos ajudará a antecipar como isso pode afetar processos ecológicos mais amplos, como a dinâmica alimentar e a dinâmica populacional;, destaca Erin Satterthwaite, biólogo marinho da Universidade da Califórnia em Davis e coautor do estudo. ;Se pudermos entender melhor onde os estressores causados pelas mudanças climáticas impactam o caminho sensorial dos organismos marinhos, poderemos desenvolver estratégias de manejo e conservação mais direcionadas e eficazes.;

Efeito disseminado

De acordo com o especialista, a revisão detectou impactos de mudanças globais em todas as etapas do caminho sensorial dos organismos aquáticos. Por exemplo, um estudo feito com pescadas-amarelas e corvinas, espécies populares de peixes da Baía de Chesapeke, nos Estados Unidos, mostrou que as águas mais quentes e turvas alteram a produção dos sons que os machos de ambas as espécies usam para atrair fêmeas, afetando potencialmente o sucesso reprodutivo.

Outra pesquisa, sobre a ave aquática cormorão, também conhecida como corvo-marinho, indicou que a maior turbidez do mar causada pela poluição degrada a transmissão de luz, diminuindo a capacidade de esses predadores altamente visuais detectar alimentos. Um estudo de 2013 demonstrou que níveis elevados de dióxido de carbono afetam uma estrutura do ouvido interno chamada otólito, usada pelos vertebrados para detectar a gravidade e o movimento, nos filhotes do peixe bijupirá.

Na revisão, a equipe considerou como impactantes da mudança global aqueles listados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática no relatório mais recente: aumento de temperaturas, acidificação oceânica, aumento de zonas de baixo oxigênio, mudanças de salinidade, aumento da radiação UVB, aumento da turbidez, alteração da hidrodinâmica, maior estratificação e excesso de nutrientes. O IPCC é o órgão da Organização das Nações Unidas encarregado de orientar a resposta internacional à crise provocada pelas mudanças climáticas.



Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação