Chandrayaan-2 é o nome da missão indiana que está voando no espaço. A nave não tripulada está prevista para pousar no polo sul da Lua no dia 7 de setembro. Chandrayaan quer dizer veículo lunar. O robô, em forma de veículo, a ser deixado por lá é chamado Pragyan, que, em sânscrito, significa sabedoria. Em português, sabedoria significa extraordinário discernimento, meio fora de moda em nosso país.
A missão atual é um desenrolar coerente da missão Chandrayaan-1, lançada em 2008 da mesma ilha costeira na Baía de Bengala, na parte sudeste do país, com o objetivo de mapear o único satélite natural da Terra, produzindo atlas em três dimensões e um mapa mineralógico. O ponto de maior entusiasmo da missão foi a identificação da presença de água, especialmente nos polos.
A confirmação foi obtida através de uma sonda lançada pela Chandrayaan-1, enquanto orbitava a Lua, para colidir com uma cratera em seu polo sul e provocar o levantamento de matéria do subsolo. De posse dessas informações, o país asiático se concentrou em desenvolver a tecnologia necessária para pousar no polo sul do lado escuro da Lua. O lado escuro é aquele que não é visto da Terra, cujo solo foi explorado pela primeira vez, agora em 2019, pela China.
China e Índia são exemplos de países que não trapaceiam com o futuro. A China tomou para si, com clareza de raciocínio, estratégia e sacrifício, o fim da era industrial de 1980 para cá. Transformou-se na fábrica do mundo. Tinham abundância incomparável de mão de obra e forte capacidade de gestão por parte do governo. Soube, com maestria, ganhar o jogo mundial do desenvolvimento.
O caso indiano é distinto. Outra estratégia, ainda em desenvolvimento, mas igualmente baseada em clareza de raciocínio, compreensão do mundo e sacrifício.
Ao perceber, lá na década de 1970, que havia perdido o jogo da industrialização e que a indústria, como maior empregador e concentrador de capital, estava com os dias contados, a Índia resolveu preparar suas novas gerações para o setor de serviços, em especial, para a alta tecnologia. Ou seja, os indianos sabem que a luta pelo desenvolvimento é uma guerra, e, ao perceberem que perderam a batalha da era industrial e que a China tinha mais condições de se oferecer como braço operário do mundo, o caminho a seguir era enfrentar a globalização liberal e o desemprego tecnológico, separando o futuro da polarização ideológica.
E não deu outra. Como diz o professor do Instituto de Altos Estudos do Desenvolvimento, em Genebra, Richard Baldwin, estamos em pleno “levante da globótica”. Uma nova fase da globalização focada em forte exportação de serviços, robôs e inteligência artificial. Os tipos de trabalho e “produtos” a serem comercializados são softwares, robôs e ciência dos dados. Vai faltar emprego convencional e países que não arrumarem formas de enfrentar a desigualdade vão falir miseravelmente. Há uma espécie de economia imoral por trás da falta de progresso para todos nos dias de hoje.
É para esse futuro da nova produtividade, que já é presente, que a Índia está se preparando para ser vanguarda. Por isso, investe no seu programa espacial — entra governo e sai governo, independentemente de ideologia. Está se reestruturando no mais elevado nível da prosperidade atual, que é o mundo da tecnologia da informação e o desafio do emprego moderno.
A Índia desenvolveu seu primeiro satélite nos anos 1970. Lançou-o da então URSS, em 1975. Em 1980, conseguiu pôr no ar, a partir da Índia, seu primeiro satélite experimental através de um Veículo Lançador de Satélites próprio. Seu primeiro satélite de comunicação foi lançado no mesmo ano, mas da Guiana Francesa. Ou seja, desde cedo, um histórico de eclética colaboração internacional para desenvolver tecnologia própria. Em 1984, o primeiro indiano foi ao espaço em uma nave da URSS. Em 2007, a Índia criou seu programa para lançar uma nave tripulada de fabricação nacional. Está projetada para ir ao espaço em 2021.
EUA, Rússia (incluindo a antiga URSS), União Europeia, Japão, China e Índia são os países que já exploraram a Lua com sondas. É esse o clube das grandes potências mundiais que são livres para decidir não só o seu destino, mas como será o futuro da existência humana. É uma pena o Brasil se comportar como um Estado que escolheu fracassar, sem políticas duradouras e instituições fortes. Chandrayaan-2 custou à Índia US$ 140 milhões. Menos do que custa a aquisição de um jogador de futebol entre os 10 mais valiosos. O investimento maior é em desenvolver a inteligência daqueles que serão os cientistas e engenheiros tocando o projeto e lhes garantir estrutura de trabalho e suporte estratégico.
Paulo Delgado, sociólogo